domingo, 31 de julho de 2011

AINDA AS CREDULIDADES.

Há pouco me referi à credulidade dos espíritas aceitando sem criticas pretensas profecias de Chico Xavier. Alguns chegam a atacar o pobre médium -- que não está entre os encarnados para se defender com facilidade -- por "fazer profecias com datação exata", sem se darem ao trabalho de verificar a autenticidade do texto ou da pretensa entrevista, saturada de pistas que a tornam bastante suspeita. Esse não é o primeiro acontecimento que demonstra a credulidade excessiva de uns, a má intenção de outros, e a justa indignação de um grande número de espíritas ante as fantasias, exageros, aberrações intelectuais, relatos de supostas reencarnações -- onde o general sempre reencarna como general, o médium como médium, o político como político, o escritor como escritor, num vai-vem vicioso -- que se agregam ao movimento espírita. Nosso caro amigo Sergio Brandão, num atencioso comentário ao texto, chegou a sugerir a necessidade de uma fiscalização mais rigorosa por parte dos órgãos representativos do movimento. Ele também não é o primeiro a pensar assim, numa justificável irritação dos espíritas estudiosos ante tudo isso.
Mas, convenhamos, essas coisas não acontecem apenas no espiritismo e, sim, em todos os campos do conhecimento e do pensamento. Qual não será a irritação dos professores sérios, dos físicos dedicados, dos engenheiros inteligentes ante as heresias científicas usadas, por exemplo, pelos que disseminam teorias conspiratórias sobre a "farsa da conquista da Lua"; dos cientistas quando constatam que suas descobertas recentes de raios de electrons ou coisas assim saídas dos buracos negros dos centros de galáxias são associadas com as expectativas místicas de 2012; ou dos astrônomos, amadores ou não, ao verem suas previsões já concretizadas de aproximação marciana servirem anualmente de alarmismos e frenesis em mensagens eletrônicas? Se é assim na ciência, imaginemos na religião! Como não devem sentir-se os adeptos conscientes da umbanda quando vêem sua religião associada indevidamente a charlatões que sacrificam animais ou até pessoas em rituais esdrúxulos de pretensa magia negra?
Teria fim, uma luta encetada por organismos representativos para entregarem prontinho aos interessados o que é ou não da doutrina?
Penso que, aqui, repete-se a necessidade do ensino da pesca ao invés do fornecimento do peixe. Cada pensante ou pensador deve aprender a separar o joio do trigo, a verdade e a mentira, nas idéias e movimentos que abrace. Quem se acha de posse de uma boa ceifadeira ou um bom método de separação, que o ofereça aos demais.
O importante é que desenvolvamos a responsabilidade pelas nossas crenças. E isso acontece através do estudo, da leitura do maior número possível de autores, da vivência de experiências e convivências em atividades de grupos, sempre com o olhar crítico, mantendo um equilíbrio saudável entre o ceticismo e a aceitação
Porque eu, particularmente, não me sinto credenciado para fiscalizar ninguém. Assim como não conheço ninguém suficientemente graduado para me fiscalizar no campo das idéias; e no campo da prática, faço concessão apenas no tocante àquilo que já foi objetivado consensualmente em forma de lei.

segunda-feira, 4 de julho de 2011

O VERDADEIRO CARÁTER DO ESPIRITISMO

Os Espíritos do Senhor,
que são as virtudes dos Céus,
qual imenso exército que se movimenta
ao receber as ordens do seu comando,
espalham-se por toda a superfície da Terra
e, semelhantes a estrelas que tombam,
vêm iluminar os caminhos
e abrir os olhos aos cegos.

Eu vos digo, em verdade,
que são chegados os tempos
em que todas as coisas
hão de ser restabelecidas
no seu verdadeiro sentido,
para dissipar as trevas,
confundir os orgulhosos
e glorificar os justos.

As grandes vozes do Céu
ressoam como sons de trombetas,
e os cânticos dos anjos se lhes associam.
Nós vos convidamos, a vós homens,
para o divino concerto.

Tomai da lira,
fazei uníssonas vossas vozes,
e que, num hino sagrado,
elas se estendam e repercutam
de um extremo a outro do Universo.

Homens, irmãos a quem amamos,
aqui estamos junto de vós.
Amai-vos, também, uns aos outros
e dizei do fundo do coração,
fazendo as vontades do Pai, que está no Céu:
"Senhor! Senhor!"...
e podereis entrar no reino dos Céus.



Esta belíssima e poética mensagem foi colocada por Kardec como prefácio de seu livro mais lido: "O Evangelho Segundo o Espiritismo". Segundo ele, porque a mensagem, transmitida por via mediúnica, resume, ao mesmo tempo, o verdadeiro caráter do Espiritismo e o objetivo da obra.
Temos aí, portanto, resumido, o verdadeiro caráter do Espiritismo, segundo seu fundador.
O que é caráter? Os dicionários da língua portuguesa, assim como os dicionários filosóficos ou especializados, trazem várias acepções, tanto relativas às coisas como às pessoas. No tocante às idéias, poderíamos dizer que caráter é o conjunto de qualidades ou especificidades próprias de uma idéia e que a distingue das outras.
E a primeira qualidade notada neste texto é o seu estilo: poético e místico.
Está pleno de imagens e metáforas poéticas, como os sons de trombeta representando as vozes que trazem conhecimentos novos e inusitados; as liras que talvez sejam os discursos; e excelências abstratas como as virtudes não pertencendo mas em sinonímia com os espíritos do senhor, que para os espíritas são seres concretos. Além de cântico de anjos simbolizando o apoio e amparo de espíritos puros.
E apesar do convite ao arroubo místico - no qual diremos do fundo do coração "Senhor!Senhor!" -, parece concluir a mensagem que o principal caráter do Espiritismo é o incitamento à prática da ação básica e mantenedora do universo: a prática do amor!
Mas, não se desesperem aqueles que vêm no Espiritismo apenas razão e ciência, e sentem a pressão da natural rejeição dessas instituições a afirmações irrefutáveis como as da mensagem. Em outros textos de Kardec sobejam justificativas também para os "espíritas científicos". E todos nós, uma vez convidados à prática do amor, vamos continuar nos considerando igualmente espíritas, sem exclusão.
Bem, tendo em vista a importância dada pelo fundador do Espiritismo (ou "codificador", como preferem muitos) a esta mensagem, atribuindo a ela o "verdadeiro caráter" da doutrina, sua exegese não se esgota aqui, e não poderia ser diferente.
De minha parte, fica aberta a temporada de comentários a respeito.
Aliás, estranho muito o generalizado desconhecimento ou desconsideração que o texto tem merecido dos espíritas.