terça-feira, 18 de agosto de 2009

DE KARDECISMOS, PSIQUISMOS E RELIGIÕES

Cesar de Vesme era o diretor e editor da "Revue des Études Psychiques - Publication mensuelle consacrée aux recherches expérimentales e critiques sur les phénomènes de télépathie, télésthesie, prémonition, médiumnité, etc". ("Revista de Estudos Psíquicos - Publicação mensal consagrada às pesquisas experimentais e críticas sobre os fenômenos de telepatia, telestesia, premonição, mediunidade, etc.")
Entre vários outros livros escreveu "Visions grandioses de croix, d'armées et de combats dans les airs" ("Visões grandiosas de cruz, de exércitos e de combates nos ares"). A Editora União Graphica publicou no Brasil, em 1936, com o título "Visões grandiosas na terra e no ar". Em 1976, a Editora Eco não resistiu ao impulso de "aplicar um conto" e tornou a publicar com o título "Visões espíritas na terra e no ar" (que apelação!). C. de Vesme não usaria esse termo.
Escrevendo em sua revista, no distante ano de 1901, sobre a vã tentativa de Harrison D. Barrett de unir os espíritas americanos (Unite or perish! escrevia este), de Vesme assim se expressava: "A verdade é que o Modern Spiritualism americano, tornado uma religião mais ou menos igual a tantas outras seitas de iluminados: aos shakers, aos cientistas cristãos, aos teosofistas, etc., devia necessariamente ir ao encontro da mesma decadência que o nosso espiritismo kardecista; suas associações deveriam sofrer a mesma sorte que as nossas. É o espiritismo que cede seu lugar ao psiquismo, a revelação que cede seu lugar à experimentação, a religião (no velho sentido da palavra) que se transforma em ciência. O espiritualismo moderno, se está destinado a triunfar, não verá sua própria marcha retardada pela morte do Modern Spiritualism americano - ao contrário. Putrescat ut resurgat!"
Na mesma edição, quando faz o necrológico do Leymarie, colocando-o como sucessor de Kardec, diz: "Ele se encontra, assim, à testa do kardecismo, que era então, nas nações latinas, a única doutrina espírita conhecida". E, mais adiante, diz que graças a ele "a Revue Spirite vive ainda um longo período de fortuna e popularidade, sobretudo no estrangeiro".
Como se vê, já naquele tempo, o kardecismo fenecia entre franceses e ingleses -- onde não era a "única doutrina espírita" (sic) -- enquanto se disseminava entre os latinos.

terça-feira, 11 de agosto de 2009

MAIS ALGUMA COISA SOBRE IDENTIDADE

"O Espiritismo é ao mesmo tempo uma ciência de observação e uma doutrina filosófica. Como ciência prática, ele consiste nas relações que se podem estabelecer com os Espíritos; como filosofia, ele compreende todas as conseqüências morais que decorrem dessas relações. Pode-se defini-lo assim: O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, da origem e da destinação dos Espíritos, e das suas relações com o mundo corporal." (Kardec, "O que é o Espiritismo").

Existe diferença entre ciência de observação e doutrina filosófica.
A nomenclatura, uma prática que, seja de forma natural, cultural ou intencional, procura dar às coisas o nome adequado visando sua compreensão pelo universo dos falantes, costuma associar à primeira o sufixo -logia, e à segunda o sufixo -ismo. Kardec, usando sua auto-atribuição de nominar e definir o que seja espiritismo, diz que ele é, ao mesmo tempo, as duas coisas (ciência e doutrina), para, logo a seguir, dizer que é apenas uma das coisas (ciência). Ao nominá-lo, porém, deixou clara sua preferência por doutrina, associando-o ao sufixo -ismo. Pelo menos, não me lembro, no momento, de nenhuma ciência terminada em -ismo. Já doutrina, escola, teoria, movimento, ação, prática ou condição, sim. Mas eu penso que a acepção mais nobre e ampla que pode atingir o sufixo -ismo seja a de mundividência. Taí: quando alguém perguntar "o que é o espiritismo", ao invés de ficarmos tartamudeando se é ciência ou religião, digamos logo que é uma visão e vivência do mundo que enfatiza o espírito. E, não adianta recaírmos no argumento de autoridade escavando citações na kardequiana. Primeiro, porque ele não se decidiu em definitivo, pendendo ora prá um lado ora prá outro, deixando textos que alimentam as duas posições. Segundo, porque ao lermos Kardec não podemos nos desnudar do conhecimento e influência que temos de Freud, Marx, Einsten, Popper, Adorno e tantos outros, assim como, esquecer toda a brutalidade e violência de que fomos capazes no século XX. Caso contrário, é melhor invocar logo o Wells, entrar em sua máquina do tempo, e ir viver feliz no século XIX.