COLÔNIAS ESPIRITUAIS - BASES CIENTÍFICAS
Antes de iniciar o texto quero avisar que não tenho uma opinião formada sobre o assunto. Como já disse alhures, os três princípios que norteiam minha aquisição de conhecimentos, o que seria equivalente talvez a meus “princípios epistemológicos”, são: a certeza de que nada sei, a crença de que ninguém sabe e o sentimento de que nunca saberemos. Na posse sempre provisória desses princípios, eu caminho como um cego intelectual tateando informações e observações na tentativa de construir uma fugidia mundividência.
Tenho, porém, notado, que o assunto do título tem funcionado como uma senha de acesso a grupos espíritas antagônicos, sendo que em todos eles tenho amizades das quais não gostaria de privar-me. Assim, observo que a crença nas colônias espirituais abrem as portas para o grupo de amigos ligados a uma interpretação mais hegemônica do espiritismo, enquanto que a descrença e, até mesmo ironização, dessas supostas colônias, me franqueiam o acesso a agradáveis tertúlias com os amigos mais livres pensadores. Na árdua luta para manter o equilíbrio em cima do muro, vou pesquisando, ou, como já o disse, tateando informações contrárias ou favoráveis às magníficas cidades imortalizadas atualmente na cinematografia nacional.
Nesse mister, trago aqui as opiniões de um cientista cujo prestígio é quase unânime em todos os grupos espíritas. Trata-se de Ernesto Bozzano, professor de Filosofia da Ciência da Universidade de Turim, nascido em Gênova em 1862 e falecido na mesma cidade em 1943, tendo participado dos institutos de pesquisas psíquicas ou metapsíquicas da França, Inglaterra e Estados Unidos e publicado mais de cinquenta livros a respeito do assunto, frutos de pesquisas próprias ou coligidas de outros pesquisadores. Especificamente no seu livro “A Crise da Morte”, traduzido em 1926 no Brasil por Guillon Ribeiro, vamos buscar interessantes considerações sobre as construções no mundo espiritual. No 15º caso por ele tratado no livro, temos o depoimento atribuído ao Espírito de Rodolfo Valentino, através do médium americano Jorge Benjamim Wehner, constante do livro biográfico “Rudy”, escrito por Natacha Rambova, viúva do famoso artista. De um longo texto relativo ao seu processo de desencarne, destacamos o seguinte trecho:
“Aqui, tudo o que existe parece constituído em virtude das diferentes modalidades pelas quais se manifesta a força do pensamento. Afirmam-me que a substância sobre que se exerce a força do pensamento é, na realidade, mais sólida e mais durável do que as pedras e os metais no meio terrestre. Muitas dificuldades encontrais, naturalmente, para conceber semelhante coisa, que, parece, não se concilia com a ideia que se pode formar das modalidades em que deveria manifestar-se a força do pensamento. Eu, por minha parte, imaginava tratar-se de criações formadas de uma matéria vaporosa; elas, porém, são, ao contrário, mais sólidas e revestidas de cores mais vivas do que o são os objetos sólidos e coloridos do meio terrestre... As habitações são construídas por Espíritos que se especializaram em modelar, pela força do pensamento essa matéria espiritual. Eles as constroem sempre tais como as desejam os Espíritos, pois que tomam às subconsciências destes últimos os gabaritos mentais de seus desejos.”
E seguem-se as considerações de Ernesto Bozzano:
“A propósito desta passagem, notarei que, do ponto de vista científico, ninguém deveria admirar-se da observação do Espírito, relativamente à aparência sólida – tanto e mais do que a pedra – das construções psíquicas no meio espiritual. A Ciência, com efeito, já demonstrou que a solidez da matéria é pura aparência. Segue-se que o atributo “solidez” não constitui mais do que uma questão de “relação” entre o indivíduo e o objeto. Quer dizer que, para nós, seres formados de igual matéria constitutiva do meio em que vivemos, esse meio tem, necessariamente, que parecer sólido, pois que há perfeita relação entre o indivíduo e o objeto. De modo análogo, para um Espírito revestido de “corpo etéreo”, o meio etéreo, em que ele vive, deverá parecer não menos sólido, devido sempre à existência de perfeita relação entre o indivíduo e o objeto. Em compensação, o mesmo Espírito deverá perceber como sombras evanescentes as pessoas vivas e o meio terrestre, devido à falta de relação entre as condições em que ele existe e opera e as condições em que existem e operam os vivos, sem contar que ele terá a confirmação do que supõe, quando lhe aconteça passar através de uma parede como se esta não existisse.
“O último reparo contido no trecho acima, no qual se afirma que ‘as habitações são construídas por Espíritos que se especializaram na arte de modelar pela forma do pensamento a substância espiritual’, está de perfeito acordo com o que afirmara outra personalidade mediúnica, no 13º caso. Esta personalidade, falando das construções psíquicas, observa: ‘Grande número de Espíritos não se ocupa de tais construções, por estar esse trabalho reservado aos que manifestam disposições naturais para essa obra especial’. Esta concordância, no que respeita a um detalhe secundário, é teoricamente mais importante do que tantas outras referentes a detalhes fundamentais. Cada vez menos verossímil se vai assim tornando sempre a hipótese das “coincidências fortuitas”, à medida que as concordâncias entre as descrições dos Espíritos que se comunicam, se vão apresentando com relação a detalhes cada vez mais minuciosos ou insignificantes”.
Tanto quanto o Bozzano, eu também estranho a resistência de certas pessoas em aceitarem construções, mais ou menos perenes, feitas no além através do pensamento. Pois, aqui mesmo no nosso mundo dos vivos, todas as construções que nos cercam, todos os prédios e monumentos, estradas e obras de arte, templos onde oramos ou associações onde estudamos, todas sem exceção, foram feitas pela ação do pensamento. Alguém pensa na necessidade de uma ponte, conversa com outro que projeta a ponte, logo depois outro calcula os materiais necessários e as várias colocações, e alguma empresa ou o poder público contrata pessoas que transformam os materiais necessários e os localizam nos lugares predeterminados até a conclusão final da obra que terá maior ou menor durabilidade: algumas duram séculos, outras não resistem à primeira enchente. Exatamente o que ocorre no mundo espiritual, onde as construções feitas pelo pensamento têm duração relativa às necessidades ou desejos de quem as faz ou as utiliza. O uso dos membros nas construções do nosso mundo não invalida minha analogia, pois os membros só se movimentam sob a ação de um pensamento determinante. E, do outro lado, não sabemos se o pensamento age diretamente sobre a matéria como nos filmes de Harry Potter, ou se os membros do discutido perispírito se movimentam para a concretização das ações determinadas pelo pensamento. Mas, podemos afirmar que é sempre o pensamento do espírito, encarnado ou desencarnado, o móvel primeiro de qualquer ação.
Concordo que existem certos exageros nos relatos da vida após a morte. Desde aqueles que se referem à alimentação dos desencarnados até às descrições sobre a asfixiante burocracia que administraria as organizações ali existente. Esses últimos, tenho ousado atribuir à influência do médium. Como todos sabem, Chico Xavier, o médium de André Luiz, autor de “Nosso Lar”, a mais lida obra sobre as colônias espirituais, foi funcionário público durante toda sua vida funcional. Portanto, não é difícil supor que o emaranhado de requerimentos, despachos, petições e quejandos que cercaram sua vida durante trinta anos tenha se refletido na sua visão do mundo espiritual.
Por outro lado, não se sustenta a insistente argumentação irracional e quase infantil de que Kardec tenha condenado as tais colônias porque disse que não existem “lugares circunscritos” para os espíritos. Não sei se é intencional ou decorrente de um certo déficit intelectual, mas é impressionante não notarem, os que negam a possiblidade de colônias espirituais, que Kardec estava se referindo ao céu, o inferno e o purgatório e, não, a supostas cidades espirituais.
Enfim, essas são minhas opiniões e dúvidas. Não tenho a intenção de confrontar nenhuma das duas posições predominantes sobre o assunto mas, temo que, infelizmente, possa ter contrariado ambas.