Logo após lançar O Livro dos Espíritos, onde pretendeu estabelecer a doutrina espírita, Kardec fez a pergunta acima, talvez a mais importante, crucial e angustiante pergunta feita em toda a historia do espiritismo. Ele a colocou como título de um livro onde tentou respondê-la; mas a prova de que não foi bem sucedido é que a pergunta não se calou até hoje e, a julgar pelo título e as preocupações colocadas num texto que recebi, temos ao menos mais cem anos de discussão pela frente.
Em mãos o discurso A Identidade do Espiritismo no Século Vinte e Um, proferido pelo Jaci Régis em 4.9.2010, em Bento Gonçalves-RS, num encontro promovido pela CEPA para discutir justamente essa identidade. (Veja comentário).
Ele começa o discurso sugerindo que Kardec tornou o espiritismo refém do cristianismo; estruturando uma religião pensando que estruturava uma ciência; e atrelando-o ao dogma escatológico e teleológico universalmente vigente fora do pensamento científico, de que o mundo é um quintal do demiurgo e todos os acontecimentos tendem a comandar o homem para um destino pré-determinado (leitura minha, claro!). Após essa análise profunda, fria e contundente, ele assopra: "Seria diminuir seu gênio reduzir sua obra a essa análise simples".
Faz um bom diagnostico; o espiritismo atualmente é cristão, dividido em duas facções: o religioso e o laico. O primeiro, apesar de colocar-se como ciência, filosofia e religião, relaxa e desliza pelo terceiro aspecto, assumindo-se descontraídamente como religião, e gozando os benefícios das asceses místicas compensatórias. O segundo, substitui o vértice religião por moral, e arvora-se em científico; mas não consegue mais que o epíteto de pseudo-ciência pela inteligentzia, e o reconhecimento como filosofia dogmática, enquanto prega uma moral não perquirida, mas, sim, ditada por espíritos superiores pela graça de Deus.(Sempre leitura minha!)
E prescreve como cura para esses males o espiritismo pós-cristão: a ciência da alma.
"Esse espiritismo pós-cristão não apenas abandonará a retórica e a teologia católica, como se organizará como uma ciência humana", diz. E, nesse jogo de morde e assopra, talvez com medo de romper de vez com o eleitorado, diz que essa ciência da alma continua sendo kardecista .
Nunca uma proposta avançou tanto como a do Jaci:
- abandonar a ilusão de ser revelação divina;
- ombrear-se com as demais ciência humanas para entender o ser humano, suas limitações, problemas e futuro;
- compreender o ser humano como uma alma, sua estrutura, sua atuação e sua evolução;
- desenvolver espírito crítico e explorar a realidade do ser humano dentro da lei natural, da naturalidade dos processos evolutivos, através da reencarnação, como alma atemporal e em crescimento; e, para isso,
- dispor de recursos e meios para provar insofismavelmente a imortalidade, renovando o exercício e os objetivos da mediunidade, superando a fase meramente moralista e religiosa em que esta se situa atualmente. (Eu diria mais, provar insofismavelmente a reencarnação).
Mas, termina num anticlímax, dizendo que "o objetivo maior será introduzir na cultura o sentido sério, basicamente defensável dos postulados puros do espiritismo", e que a proposta ciência da alma "é kardecista na medida em que se apoiará nos alicerces básicos, puros, do pensamento doutrinário".
Quais são "os postulados puros do espiritismo"? Quais são "os alicerces básicos, puros, do pensamento doutrinário"? Que são "os acessórios das interpretações e extensões contextualizadas"? E por que ficar preso a essas questões ao invés de meter um carimbo de histórico em tudo isso, arregaçar as mangas e lançar-se à pesquisa, à busca dos objetivos antes delineados?
Ou seja, continua atolado no século dezenove; pois, a discussão para a resposta a essas perguntas nos levará seguramente mais um século de debates estéreis.
O discurso referido, com extensão de duas páginas, foi enviado como encarte do jornal "Abertura", do ICKS. Quem quizer lê-lo na íntegra, sugiro escrever para o e-mail ickardecista@terra.com.br, ou, pior, para a Av.Francisco Glicério, 261, Santos-SP; já que o Jaci não adere em definitivo às facilidades da internet publicando o discurso em seu blog: http://icksantos.blogspot.com; onde, aliás, deveria disponibilizar mensalmente o jornal "Abertura", a exemplo do que fazem o pessoal do "Opinião", do "América Espírita", e, até, as "conservadoras" federações com seu "Reformador" e "Mundo Espírita".
ResponderExcluirO título original desta postagem era "O Que é o Espiritismo?"; mudei, e daí o primeiro parágrafo ficou um tanto quanto obscuro. Agora, corrijo colocando os dois títulos pretendidos.
ResponderExcluirGostei, realmente este ponto do rompimento é polêmico.
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