quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

BREVÍSSIMA HISTÓRIA DO ESPIRITISMO, FORA DOS CATECISMOS.

Comecemos pelo neologismo espiritismo. Segundo a primeira edição do Houaiss vem do francês spiritisme (1857), que por sua vez vem do inglês spiritism (1856). Pesquisas recentes recuam sua utilização em livros e revistas de língua inglesa de 1853 e 1854. A trajetória do neologismo indica o caminho da idéia: o espiritismo é um movimento que surgiu nos Estados Unidos da América sob os nomes de new-spiritualism e spiritism (o primeiro acabou por adquirir predominância), foi trazido pelos seus entusiastas para a Inglaterra, onde se disseminou sob o nome de spiritualism, e, logo a seguir, para a Europa Continental, onde atingiu várias camadas da sociedade sob os nomes franceses de spiritualisme e spiritisme (este último adquiriu predominância no continente). Na França o movimento encontrou-se com a filosofia. Havia uma certa disponibilidade de filósofos ociosos provocada pela ditadura de Luís Napoleão Bonaparte. Aliaram-se os órfãos do até então "ditador filósofo", o espiritualista e eclético Victor Cousin, com alguns socialistas utópicos impedidos em suas tertúlias políticas, e passaram a interrogar os espíritos de forma mais consistente. O escritor Victorien Sardou juntou toda a produção resultante desses diálogos e solicitou ao Professor Rivail, talvez o mais sério e maduro do grupo, que a pusesse em ordem. Rivail construiu com o material toda uma metafísica, ainda que no estilo literário do diálogo com a manifesta intenção de fugir ao espírito de sistema, e a publicou sob o título de "O Livro dos Espíritos", tendo como subtítulo "Filosofia Espiritualista" -- o que denuncia a influência eclética do Cousin. Reinvindicou para esse corpo doutrinário o nome de spiritisme, identificou os espiritos dialogantes como grandes nomes do passado -- São João, São Luís, Santo Agostinho, Sócrates, Platão, Lammenais, etc. --, e ultrapassou a vã filosofia enveredando para o terreno tipicamente religioso, declarando que tais espíritos tinham sido enviados pelo próprio Deus para inaugurar uma nova era para a humanidade, inserindo-o na sequencia das revelações ocidentais: o judaísmo, o cristianismo e, agora, o espiritismo -- como se fora o primeiro, o segundo e, agora, o terceiro testamento. Iniciou dessa forma o grande movimento do espiritismo filosófico; ou, espiritismo moral, segundo Sudre; ou, espiritismo religioso, segundo Flammarion, Aksakof, Richet, e outros; ou, simplesmente, espiritismo kardecista, segundo Sausse, Leymarie, e todos os citados anteriormente -- e todo mundo. Este Espiritismo sobreviveu aos demais. Os demais foram: o espiritismo científico, representado por Aksakof, Flammarion, Delanne, Bozzano, Lombroso e Geley, desaparecido com a morte deste último; o espiritismo místico do Roustaing; e o espiritismo envergonhado que se chamou de "pesquisa psíquica", "metapsíquica" e "parapsicologia", de Crookes, Richet, Rhine e outros. Hoje em dia, graças à democracia, à crescente liberdade individual e à ausência de qualquer direito autoral sobre o nome, existem, ao lado do espiritismo kardecista, uma série de espiritismo à moda da casa ou do sujeito. Fim.
Fontes: "A Mesa, o Livro e os Espíritos", de Aubrèe e Laplantine; "Revista Espírita", de Kardec; "Memórias Biográficas e Filosóficas de um Astrônomo", Flammarion; "História da Filosofia", de Padovani e Castagnoli; mais pesquisas citadas neste mesmo blog, sob o título "Da-auto-geracao-de-mitos-ou-da-geracao de auto-mitos, etc." sendo imprescindível não ignorar o comentário corretivo.

2 comentários:

  1. Parabéns, Professor João,
    o seu texto é muito claro e bem escrito. Estou fazendo umas pesquisas para organizar um vocabulário espírita. Estava procurando neologismos espíritas e deparei-me com seu texto.
    Gostei muito mesmo. Também adorei o "quem sou eu"... Um forte abraço
    Celina Marcia Abbade (atual professora da UNEB-BA, atual funcionária pública, atual mãe plena de dúvidas quanto à educação, atual espírita com muitas dúvidas e poucas certezas. Talvez a única certeza seja a de que vale à pena viver e não ter a vergonha de ser feliz. E nada mais a completar...)

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  2. Belo e humano comentário. Obrigado. João Donha

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