Alguns dizem que Camille Flammarion oscilava entre explicações espiríticas e explicações pelo inconsciente. Na verdade, ele vivia e valorizava a dúvida. Por isso, se irritava com todos os que têm certeza absoluta das coisas. Criticava a postura não científica dos espíritas que têm certeza de que foi realmente Sócrates, Platão e companhia a trazer-lhes a doutrina. Mas, criticava principalmente a postura anti-científica dos próprios cientistas, que negam a priori, ou com pouquíssimos elementos para tal.
São suas palavras nas sombras da dúvida:
"Não encontro nada do que procuro, o Espiritismo não me satisfaz, e eu sou tentado a dizer com Dante: A floresta que me envolve é obscura, áspera e selvagem".
Para logo se erguer na dúvida construtiva:
"Devemos compreender que não podemos tudo compreender".
quinta-feira, 16 de dezembro de 2010
FLAMMARION E OUTROS CIENTISTAS ESPÍRITAS
As Memórias do Camille Flammarion citadas na postagem anterior são deveras interessantes. Mereciam uma tradução completa para o português. Mostram uma alma inquieta; alguém que deseja ardentemente o conhecimento do nosso destino após a morte, mas mantém-se suficientemente lúcido para não abandonar o critério estritamente científico e não cair em certezas precipitadas, mesmo tendo que pagar o preço da angústia permanente da dúvida.
Espiritismo ou animismo? Animismo ou espiritismo? É a gangorra onde ele balança sua angústia por toda a vida.
No Capítulo XIII ele aborda suas experiências espíritas. Faz, também, um breve relato e uma análise dos três cadernos resultantes das experiências realizadas sob a direção do Victor Hugo, quando na ilha de Jersey. Chega a elaborar a hipótese de que a soma dos presentes cria as personalidades comunicantes sob o domínio da mente prodigiosa de Hugo.
Vamos a alguns trechos desse capítulo:
"Ação inconsciente da alma. Mas como?
Existem espíritas de uma fé cega, que têm certeza de estarem em comunicação com os espíritos. Não há como chamá-los à razão. Eles não me perdoam de não compartilhar suas certezas, que se tornaram entre eles crenças religiosas. Mas há outros que compreendem que apenas o método científico pode nos conduzir ao conhecimento verdadeiro. Esses continuam meus amigos. Eu acabei de encontrar numa coletânea de correspondências a carta seguinte que me permito reproduzir, e que parece ter seu lugar aqui. Ela é datada de Bordeaux, 29 de março de 1904:
'Caro mestre,
Há cerca de quarenta anos, ouvi, em Bordeaux, um velho fazer o elogio de um jovem, por volta dos dezoito anos, portador de condições de fato excepcionais. Segundo ele, esse jovem seria um prodígio, que deveria remexer o mundo.
O jovem, era o senhor.
O velho, era Allan Kardec.' (...) (J.Bayard).
A carta continua, tecendo elogios ao espírito científico do Flammarion.
Ao final, ele ajunta:
"Publico esta carta, dentre várias, para mostrar que nem todos os espíritas me guardam ressentimento em função do meu método científico. Pode-se repelir o espiritismo, pode-se repelir o cristianismo, sem deixar-se de ser espiritualista. São doutrinas claramente distintas."
A informação desta carta, a análise na Revue à sua obra, e outras manifestações de Kardec deixam clara a predileção e o carinho que o fundador do Espiritismo nutria por ele; e compartilhava com a Amelie que, ao herdar seu espólio, tudo fez para que o jovem astrônomo se tornasse o continuador da obra. Certamente, viam nele o filho que desejariam ter tido. Por mais independente que fosse, ante tanta consideração seus sentimentos não lhe permitiriam apartar-se totalmente da hipótese espírita, e, é bem provável, condicionaram sua abordagem delicada e suas críticas amenas à "obra de feição pessoal", ou à "religião" do amigo, externadas no discurso do sepultamento.
Mas, ainda que sutil, tal abordagem serve como evidência histórica de que os homens de ciência contemporâneos do surgimento do espiritismo criticavam e denunciavam o encaminhamento religioso que Kardec dera ao assunto. Ou seja, para os cientistas, o espiritismo kardecista já nascia religioso.
Comprova isso a manifestação mais dura de Aksakoff, livre de qualquer laço de amizade, conhecida pela recente divulgação de algumas cartas onde critica o aspecto religioso do kardecismo. Também o comprova a introdução de Richet ao seu Tratado de Metapsíquica, onde, apesar de prestar homenagem a Kardec, critica sua vocação religiosa.
René Sudre, em sua Introdução à Metapsíquica Humana, após expor sua tese da prosopopese-metagnomia, primeira edição da hiperestesia indireta do inconsciente do Quevedo, e inventariar as últimas descobertas da psicologia sugerindo sempre o animismo como motor dos fenômenos, finaliza: "Assim o Espiritismo dito "científico", inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa do que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é, de todo, mau, e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras".
Tudo isso indica que havia, no final do século XIX e começo do XX, duas veredas espíritas: o Espiritismo científico e o Espiritismo religioso. O primeiro, representado por Delanne, Lombroso, Bozzano, Aksakoff, Crookes, Zollner, Geley e outros, reúne os pesquisadores que adotam a hipótese espírita para explicar os fenômenos. O segundo, representado pelos seguidores de Allan kardec (Leymarie, Dennis, Meyer e outros), reúne os que, além, claro, de adotarem a hipótese dos espíritos provocando os fenômenos, têm a certeza de sua identidade e de sua superioridade moral, absorvem respeitosamente seus ensinamentos, e crêem que o Espiritismo é uma revelação divina, consolador prometido, ressuscitador do cristianismo, destinado a inaugurar uma nova era da humanidade. Enfim, se não religião, algo bem parecido.
Como eu já disse em postagem de 01.07.2009, o segmento religioso sobreviveu por uma questão de seleção natural. Vale repetir:
A morte do espiritismo científico e a sobrevivência do espiritismo religioso deveu-se, simplesmente, a uma lei de seleção natural (no caso, na epistemologia, porém equivalente àquela da biologia: é só fazer as necessárias analogias - assim, se não for verdade, ao menos rima, ou seja, se non è vero è piu trovato).
E qual foi a mudança no ambiente (ambiente intelectual, claro) que provocou o desaparecimento do espíritismo científico?
Emergiram, no oceano do conhecimento humano, as pesquisas do inconsciente, trazendo para o meio científico explicações muito mais convincentes para os fenômenos mediúnicos, do que as explicações espíritas. Ante a aceitação de uma nova teoria e prática albergada sob o nome de psicologia -- palavra até então utilizada para a designação de uma disciplina filosófica, e que passa a designar uma ciência --, o espiritismo foi perdendo todas as esperanças de ser aceito como ciência. Consequentemente, sua vertente científica extinguiu-se. Já a vertente religiosa, conseguindo não só aparar como revidar os golpes dados na área do conhecimento em que transitava (a religião), sobreviveu e multiplicou-se.
Hoje, o espiritismo apreendido e praticado como religião é claramente hegemônico em todo o mundo.
Espiritismo ou animismo? Animismo ou espiritismo? É a gangorra onde ele balança sua angústia por toda a vida.
No Capítulo XIII ele aborda suas experiências espíritas. Faz, também, um breve relato e uma análise dos três cadernos resultantes das experiências realizadas sob a direção do Victor Hugo, quando na ilha de Jersey. Chega a elaborar a hipótese de que a soma dos presentes cria as personalidades comunicantes sob o domínio da mente prodigiosa de Hugo.
Vamos a alguns trechos desse capítulo:
"Ação inconsciente da alma. Mas como?
Existem espíritas de uma fé cega, que têm certeza de estarem em comunicação com os espíritos. Não há como chamá-los à razão. Eles não me perdoam de não compartilhar suas certezas, que se tornaram entre eles crenças religiosas. Mas há outros que compreendem que apenas o método científico pode nos conduzir ao conhecimento verdadeiro. Esses continuam meus amigos. Eu acabei de encontrar numa coletânea de correspondências a carta seguinte que me permito reproduzir, e que parece ter seu lugar aqui. Ela é datada de Bordeaux, 29 de março de 1904:
'Caro mestre,
Há cerca de quarenta anos, ouvi, em Bordeaux, um velho fazer o elogio de um jovem, por volta dos dezoito anos, portador de condições de fato excepcionais. Segundo ele, esse jovem seria um prodígio, que deveria remexer o mundo.
O jovem, era o senhor.
O velho, era Allan Kardec.' (...) (J.Bayard).
A carta continua, tecendo elogios ao espírito científico do Flammarion.
Ao final, ele ajunta:
"Publico esta carta, dentre várias, para mostrar que nem todos os espíritas me guardam ressentimento em função do meu método científico. Pode-se repelir o espiritismo, pode-se repelir o cristianismo, sem deixar-se de ser espiritualista. São doutrinas claramente distintas."
A informação desta carta, a análise na Revue à sua obra, e outras manifestações de Kardec deixam clara a predileção e o carinho que o fundador do Espiritismo nutria por ele; e compartilhava com a Amelie que, ao herdar seu espólio, tudo fez para que o jovem astrônomo se tornasse o continuador da obra. Certamente, viam nele o filho que desejariam ter tido. Por mais independente que fosse, ante tanta consideração seus sentimentos não lhe permitiriam apartar-se totalmente da hipótese espírita, e, é bem provável, condicionaram sua abordagem delicada e suas críticas amenas à "obra de feição pessoal", ou à "religião" do amigo, externadas no discurso do sepultamento.
Mas, ainda que sutil, tal abordagem serve como evidência histórica de que os homens de ciência contemporâneos do surgimento do espiritismo criticavam e denunciavam o encaminhamento religioso que Kardec dera ao assunto. Ou seja, para os cientistas, o espiritismo kardecista já nascia religioso.
Comprova isso a manifestação mais dura de Aksakoff, livre de qualquer laço de amizade, conhecida pela recente divulgação de algumas cartas onde critica o aspecto religioso do kardecismo. Também o comprova a introdução de Richet ao seu Tratado de Metapsíquica, onde, apesar de prestar homenagem a Kardec, critica sua vocação religiosa.
René Sudre, em sua Introdução à Metapsíquica Humana, após expor sua tese da prosopopese-metagnomia, primeira edição da hiperestesia indireta do inconsciente do Quevedo, e inventariar as últimas descobertas da psicologia sugerindo sempre o animismo como motor dos fenômenos, finaliza: "Assim o Espiritismo dito "científico", inaugurado por Delanne, parece haver entrado em falência, nada mais sobrando para a grande massa do que o velho Espiritismo moral de Allan Kardec que, em si, não é, de todo, mau, e que serve para levar aos aflitos ilusões consoladoras".
Tudo isso indica que havia, no final do século XIX e começo do XX, duas veredas espíritas: o Espiritismo científico e o Espiritismo religioso. O primeiro, representado por Delanne, Lombroso, Bozzano, Aksakoff, Crookes, Zollner, Geley e outros, reúne os pesquisadores que adotam a hipótese espírita para explicar os fenômenos. O segundo, representado pelos seguidores de Allan kardec (Leymarie, Dennis, Meyer e outros), reúne os que, além, claro, de adotarem a hipótese dos espíritos provocando os fenômenos, têm a certeza de sua identidade e de sua superioridade moral, absorvem respeitosamente seus ensinamentos, e crêem que o Espiritismo é uma revelação divina, consolador prometido, ressuscitador do cristianismo, destinado a inaugurar uma nova era da humanidade. Enfim, se não religião, algo bem parecido.
Como eu já disse em postagem de 01.07.2009, o segmento religioso sobreviveu por uma questão de seleção natural. Vale repetir:
A morte do espiritismo científico e a sobrevivência do espiritismo religioso deveu-se, simplesmente, a uma lei de seleção natural (no caso, na epistemologia, porém equivalente àquela da biologia: é só fazer as necessárias analogias - assim, se não for verdade, ao menos rima, ou seja, se non è vero è piu trovato).
E qual foi a mudança no ambiente (ambiente intelectual, claro) que provocou o desaparecimento do espíritismo científico?
Emergiram, no oceano do conhecimento humano, as pesquisas do inconsciente, trazendo para o meio científico explicações muito mais convincentes para os fenômenos mediúnicos, do que as explicações espíritas. Ante a aceitação de uma nova teoria e prática albergada sob o nome de psicologia -- palavra até então utilizada para a designação de uma disciplina filosófica, e que passa a designar uma ciência --, o espiritismo foi perdendo todas as esperanças de ser aceito como ciência. Consequentemente, sua vertente científica extinguiu-se. Já a vertente religiosa, conseguindo não só aparar como revidar os golpes dados na área do conhecimento em que transitava (a religião), sobreviveu e multiplicou-se.
Hoje, o espiritismo apreendido e praticado como religião é claramente hegemônico em todo o mundo.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
EU SOU ESPÍRITA.
O Espiritismo é a minha religião.
Só peço às pessoas inteligentes que me perdoem o fato de que um dos dogmas fundamentais da minha religião, é ela dizer-se ciência.
Mas, é um dogma como outro qualquer; talvez até mais bem arranjadinho do que o dogma da virgindade de Maria, ou o de que Jesus ressuscitou levando o corpo para o céu.
Assim como nenhuma pessoa inteligente vai impedir que católicos e protestantes acreditem nessas coisas, apesar de saberem que não são verdadeiras, espero que também não me impeçam de acreditar que o Espiritismo seja uma ciência, apesar de todos nós sabermos que não o é.
Afinal, é apenas a minha religião.
O que deverá preocupar as pessoas inteligentes, será se eu começar a arregimentar poder para impor minha "ciência" às universidades, ou empurrá-la goela abaixo dos estudantes, como têm feito os adeptos de outras religiões com seus dogmas criacionistas ou sobre os "desejos" de Deus.
Agora, àqueles confrades que ainda acreditam ingenuamente que o Espiritismo não seja uma religião, que é realmente uma ciência (e, não, que a afirmação de "ele é uma ciência" seja apenas um dogma kardeciano), nada melhor que a leitura de refutações de ateus para temperarem suas crenças: http://ateus.net/artigos/critica/espiritismo-ciencia-e-logica/
Só peço às pessoas inteligentes que me perdoem o fato de que um dos dogmas fundamentais da minha religião, é ela dizer-se ciência.
Mas, é um dogma como outro qualquer; talvez até mais bem arranjadinho do que o dogma da virgindade de Maria, ou o de que Jesus ressuscitou levando o corpo para o céu.
Assim como nenhuma pessoa inteligente vai impedir que católicos e protestantes acreditem nessas coisas, apesar de saberem que não são verdadeiras, espero que também não me impeçam de acreditar que o Espiritismo seja uma ciência, apesar de todos nós sabermos que não o é.
Afinal, é apenas a minha religião.
O que deverá preocupar as pessoas inteligentes, será se eu começar a arregimentar poder para impor minha "ciência" às universidades, ou empurrá-la goela abaixo dos estudantes, como têm feito os adeptos de outras religiões com seus dogmas criacionistas ou sobre os "desejos" de Deus.
Agora, àqueles confrades que ainda acreditam ingenuamente que o Espiritismo não seja uma religião, que é realmente uma ciência (e, não, que a afirmação de "ele é uma ciência" seja apenas um dogma kardeciano), nada melhor que a leitura de refutações de ateus para temperarem suas crenças: http://ateus.net/artigos/critica/espiritismo-ciencia-e-logica/
quarta-feira, 17 de novembro de 2010
FLAMMARION ESPÍRITA?
"Em 31 de março de 1869, o chefe da escola espírita, Allan Kardec, morreu subitamente, aos 65 anos, e em 2 de abril seria sepultado no cemitério do Norte. Relatei mais acima como havia entrado em relações com ele no mês de novembro de 1861. Embora meu trabalho não me permitisse nenhuma assiduidade às reuniões da sociedade espírita da qual ele era o presidente-fundador, o comitê dessa sociedade convidou-me, em seu nome e no de Madame Allan Kardec, para presidir as exéquias civis e pronunciar um discurso. Eu estava me mantendo à distância desde algum tempo sobretudo, não admitindo que o espiritismo pudesse ser a base de uma religião antes que os fenômenos fossem cientificamente demonstrados e explicados. Contudo, rendi-me a tão honorável convite... (...) O Comitê me propôs suceder Allan Kardec como presidente da Sociedade Espírita. Recusei, sabendo que nove entre dez de seus discípulos continuariam a ver ali, durante ainda muito tempo, uma religião, em vez de uma ciência, além do que a identidade dos "espíritos" está longe de ser provada. Quarenta anos se passaram desde então. Os seguidores de Allan Kardec pouco mudaram sua fé; a maior parte recusa ainda a análise científica, única que poderia nos esclarecer exatamente".
(Camille Flammarion
"Memórias biográficas e filosóficas de um astrônomo"
Ernest Flammarion Editeur, Paris, 1911 -- Em facsímile da Gallica.bnf.fr).
Flammarion era um geniozinho de 19 anos quando encontrou-se com Kardec e começou a frequentar a sociedade espírita de Paris. Aos 27 já o vemos afastado do espiritismo, e recusando convites da própria Amelie Boudet para retornar em posição de destaque. Ele morreu aos 83. Seu afastamento precoce se deu por não concordar com os rumos que o presidente-fundador dava ao movimento: sem ter ainda construído uma metodologia que identificasse os espíritos de forma rigorosamente cientifica, ele não só os aceitava como tais, como os recebia na condição de sábios, enviados por Deus para procederem a uma nova grande revelação para a humanidade. Uma humanidade que, àquela altura, já prescindia de revelações divinas, pois adquirira maturidade suficiente para desvendar os segredos da natureza por si mesma. Aliás, poucos anos depois aposentaria o próprio Deus.
É incrivel como ainda hoje, no século XXI, encontramos pessoas que dizem ser científico sentar-se à frente de uma jovem em transe e acreditar-se estar recebendo de um Galileu ou Leonardo, profundas revelações ou soluções de problemas que temos condições e obrigação de buscar pela filosofia e pela ciência.
Agora, como religião, é outra coisa. Como religião, aceitamos de bom grado, principalmente se mantém nossa auto-estima, nossa felicidade e nossa saúde, até a revelação de um mendigo.
Daí porque Kardec, ao fim da vida, entregou os pontos e admitiu que era presidente-fundador de uma religião, ainda que, relutava, "em sentido filosófico".
Mas, o mais incrível de tudo é a teimosia cega com que os intelectuais espíritas repetem o lugar-comum de que o espiritismo era científico na Europa e foi transformado em religião no Brasil, ante toda essa evidência histórica em contrário!
(Camille Flammarion
"Memórias biográficas e filosóficas de um astrônomo"
Ernest Flammarion Editeur, Paris, 1911 -- Em facsímile da Gallica.bnf.fr).
Flammarion era um geniozinho de 19 anos quando encontrou-se com Kardec e começou a frequentar a sociedade espírita de Paris. Aos 27 já o vemos afastado do espiritismo, e recusando convites da própria Amelie Boudet para retornar em posição de destaque. Ele morreu aos 83. Seu afastamento precoce se deu por não concordar com os rumos que o presidente-fundador dava ao movimento: sem ter ainda construído uma metodologia que identificasse os espíritos de forma rigorosamente cientifica, ele não só os aceitava como tais, como os recebia na condição de sábios, enviados por Deus para procederem a uma nova grande revelação para a humanidade. Uma humanidade que, àquela altura, já prescindia de revelações divinas, pois adquirira maturidade suficiente para desvendar os segredos da natureza por si mesma. Aliás, poucos anos depois aposentaria o próprio Deus.
É incrivel como ainda hoje, no século XXI, encontramos pessoas que dizem ser científico sentar-se à frente de uma jovem em transe e acreditar-se estar recebendo de um Galileu ou Leonardo, profundas revelações ou soluções de problemas que temos condições e obrigação de buscar pela filosofia e pela ciência.
Agora, como religião, é outra coisa. Como religião, aceitamos de bom grado, principalmente se mantém nossa auto-estima, nossa felicidade e nossa saúde, até a revelação de um mendigo.
Daí porque Kardec, ao fim da vida, entregou os pontos e admitiu que era presidente-fundador de uma religião, ainda que, relutava, "em sentido filosófico".
Mas, o mais incrível de tudo é a teimosia cega com que os intelectuais espíritas repetem o lugar-comum de que o espiritismo era científico na Europa e foi transformado em religião no Brasil, ante toda essa evidência histórica em contrário!
segunda-feira, 8 de novembro de 2010
sexta-feira, 29 de outubro de 2010
CIÊNCIA DA ALMA? ou O QUE É O ESPIRITISMO?
Logo após lançar O Livro dos Espíritos, onde pretendeu estabelecer a doutrina espírita, Kardec fez a pergunta acima, talvez a mais importante, crucial e angustiante pergunta feita em toda a historia do espiritismo. Ele a colocou como título de um livro onde tentou respondê-la; mas a prova de que não foi bem sucedido é que a pergunta não se calou até hoje e, a julgar pelo título e as preocupações colocadas num texto que recebi, temos ao menos mais cem anos de discussão pela frente.
Em mãos o discurso A Identidade do Espiritismo no Século Vinte e Um, proferido pelo Jaci Régis em 4.9.2010, em Bento Gonçalves-RS, num encontro promovido pela CEPA para discutir justamente essa identidade. (Veja comentário).
Ele começa o discurso sugerindo que Kardec tornou o espiritismo refém do cristianismo; estruturando uma religião pensando que estruturava uma ciência; e atrelando-o ao dogma escatológico e teleológico universalmente vigente fora do pensamento científico, de que o mundo é um quintal do demiurgo e todos os acontecimentos tendem a comandar o homem para um destino pré-determinado (leitura minha, claro!). Após essa análise profunda, fria e contundente, ele assopra: "Seria diminuir seu gênio reduzir sua obra a essa análise simples".
Faz um bom diagnostico; o espiritismo atualmente é cristão, dividido em duas facções: o religioso e o laico. O primeiro, apesar de colocar-se como ciência, filosofia e religião, relaxa e desliza pelo terceiro aspecto, assumindo-se descontraídamente como religião, e gozando os benefícios das asceses místicas compensatórias. O segundo, substitui o vértice religião por moral, e arvora-se em científico; mas não consegue mais que o epíteto de pseudo-ciência pela inteligentzia, e o reconhecimento como filosofia dogmática, enquanto prega uma moral não perquirida, mas, sim, ditada por espíritos superiores pela graça de Deus.(Sempre leitura minha!)
E prescreve como cura para esses males o espiritismo pós-cristão: a ciência da alma.
"Esse espiritismo pós-cristão não apenas abandonará a retórica e a teologia católica, como se organizará como uma ciência humana", diz. E, nesse jogo de morde e assopra, talvez com medo de romper de vez com o eleitorado, diz que essa ciência da alma continua sendo kardecista .
Nunca uma proposta avançou tanto como a do Jaci:
- abandonar a ilusão de ser revelação divina;
- ombrear-se com as demais ciência humanas para entender o ser humano, suas limitações, problemas e futuro;
- compreender o ser humano como uma alma, sua estrutura, sua atuação e sua evolução;
- desenvolver espírito crítico e explorar a realidade do ser humano dentro da lei natural, da naturalidade dos processos evolutivos, através da reencarnação, como alma atemporal e em crescimento; e, para isso,
- dispor de recursos e meios para provar insofismavelmente a imortalidade, renovando o exercício e os objetivos da mediunidade, superando a fase meramente moralista e religiosa em que esta se situa atualmente. (Eu diria mais, provar insofismavelmente a reencarnação).
Mas, termina num anticlímax, dizendo que "o objetivo maior será introduzir na cultura o sentido sério, basicamente defensável dos postulados puros do espiritismo", e que a proposta ciência da alma "é kardecista na medida em que se apoiará nos alicerces básicos, puros, do pensamento doutrinário".
Quais são "os postulados puros do espiritismo"? Quais são "os alicerces básicos, puros, do pensamento doutrinário"? Que são "os acessórios das interpretações e extensões contextualizadas"? E por que ficar preso a essas questões ao invés de meter um carimbo de histórico em tudo isso, arregaçar as mangas e lançar-se à pesquisa, à busca dos objetivos antes delineados?
Ou seja, continua atolado no século dezenove; pois, a discussão para a resposta a essas perguntas nos levará seguramente mais um século de debates estéreis.
Em mãos o discurso A Identidade do Espiritismo no Século Vinte e Um, proferido pelo Jaci Régis em 4.9.2010, em Bento Gonçalves-RS, num encontro promovido pela CEPA para discutir justamente essa identidade. (Veja comentário).
Ele começa o discurso sugerindo que Kardec tornou o espiritismo refém do cristianismo; estruturando uma religião pensando que estruturava uma ciência; e atrelando-o ao dogma escatológico e teleológico universalmente vigente fora do pensamento científico, de que o mundo é um quintal do demiurgo e todos os acontecimentos tendem a comandar o homem para um destino pré-determinado (leitura minha, claro!). Após essa análise profunda, fria e contundente, ele assopra: "Seria diminuir seu gênio reduzir sua obra a essa análise simples".
Faz um bom diagnostico; o espiritismo atualmente é cristão, dividido em duas facções: o religioso e o laico. O primeiro, apesar de colocar-se como ciência, filosofia e religião, relaxa e desliza pelo terceiro aspecto, assumindo-se descontraídamente como religião, e gozando os benefícios das asceses místicas compensatórias. O segundo, substitui o vértice religião por moral, e arvora-se em científico; mas não consegue mais que o epíteto de pseudo-ciência pela inteligentzia, e o reconhecimento como filosofia dogmática, enquanto prega uma moral não perquirida, mas, sim, ditada por espíritos superiores pela graça de Deus.(Sempre leitura minha!)
E prescreve como cura para esses males o espiritismo pós-cristão: a ciência da alma.
"Esse espiritismo pós-cristão não apenas abandonará a retórica e a teologia católica, como se organizará como uma ciência humana", diz. E, nesse jogo de morde e assopra, talvez com medo de romper de vez com o eleitorado, diz que essa ciência da alma continua sendo kardecista .
Nunca uma proposta avançou tanto como a do Jaci:
- abandonar a ilusão de ser revelação divina;
- ombrear-se com as demais ciência humanas para entender o ser humano, suas limitações, problemas e futuro;
- compreender o ser humano como uma alma, sua estrutura, sua atuação e sua evolução;
- desenvolver espírito crítico e explorar a realidade do ser humano dentro da lei natural, da naturalidade dos processos evolutivos, através da reencarnação, como alma atemporal e em crescimento; e, para isso,
- dispor de recursos e meios para provar insofismavelmente a imortalidade, renovando o exercício e os objetivos da mediunidade, superando a fase meramente moralista e religiosa em que esta se situa atualmente. (Eu diria mais, provar insofismavelmente a reencarnação).
Mas, termina num anticlímax, dizendo que "o objetivo maior será introduzir na cultura o sentido sério, basicamente defensável dos postulados puros do espiritismo", e que a proposta ciência da alma "é kardecista na medida em que se apoiará nos alicerces básicos, puros, do pensamento doutrinário".
Quais são "os postulados puros do espiritismo"? Quais são "os alicerces básicos, puros, do pensamento doutrinário"? Que são "os acessórios das interpretações e extensões contextualizadas"? E por que ficar preso a essas questões ao invés de meter um carimbo de histórico em tudo isso, arregaçar as mangas e lançar-se à pesquisa, à busca dos objetivos antes delineados?
Ou seja, continua atolado no século dezenove; pois, a discussão para a resposta a essas perguntas nos levará seguramente mais um século de debates estéreis.
sexta-feira, 22 de outubro de 2010
PRONTO, ENVOLVERAM O ESPIRITISMO!
Era o que faltava nesta campanha política. Católicos, evangélicos, liberais, conservadores, todos envolvidos até o pescoço e completamente divididos. Amigos de longa data se digladiando, no dramático esforço de demonizar o candidato adversário. Poderiam os espíritas continuarem serenamente sem envolver seus conteúdos doutrinários ou místicos (como queiram) nessa contenda? Difícil. Bem que tentamos, cada um com seu candidato, com sua preferência, sem conspurcar os humildes arraiais das nossas atividades. Não deu. O Carlos Vereza, por "encarnar" nas telas e vídeos o personagem mais badalado do espiritismo brasileiro, o Bezerra, julgou-se o próprio, e passou a lançar "vidências" na mídia, afirmando, do alto de sua reticente e rouca autoridade, que a Dilma e sua equipe estão cercados por uma multidão de obsessores!
Vê se pode!
Primeiro, cansaram de acusá-la de não ter biografia. Será que eu tenho biografia? Você, prezado leitor, tem biografia? Você, prezada leitora, tem biografia? O que é preciso fazer prá se ter biografia? Ser político profissional? Ganhar milhões na especulação financeira?
Olha, dá até prá fazer aqui um desafio: votem na Dilma os sem-biografia.
Os devidamente biografados fiquem com o Serra.
Agora, acusam-na de obsidiada. Será que eu sou um obsidiado? Tchan... Tchan... Tchan...! Você, prezada (e agora assustada) leitora, tem certeza de que não está obsidiada? O que seria estar obsidiado no entendimento do Vereza: estar cercado de espíritos inferiores?
Olha (de novo), dá até prá fazer outro desafio: espíritos inferiores, juntem-se a este outro inferior que ora escreve, e votemos na Dilma. Deixemos votarem em Serra os espíritos que se julgam superiores, da elite, saudosos de seus privilégios e exclusividades.
Afinal, o próprio Vereza bradava colérico com o microfone nas mãos: "Onde já se viu deixar um pobre comprar um carro em 70 prestações?" E, certamente, calava o que pensava em seguida: "Ele que enriqueça como eu, ganhe uma biografia, e compre à vista, ou ande a pé! Pobre quer carro prá quê?!"
Vê se pode!
Primeiro, cansaram de acusá-la de não ter biografia. Será que eu tenho biografia? Você, prezado leitor, tem biografia? Você, prezada leitora, tem biografia? O que é preciso fazer prá se ter biografia? Ser político profissional? Ganhar milhões na especulação financeira?
Olha, dá até prá fazer aqui um desafio: votem na Dilma os sem-biografia.
Os devidamente biografados fiquem com o Serra.
Agora, acusam-na de obsidiada. Será que eu sou um obsidiado? Tchan... Tchan... Tchan...! Você, prezada (e agora assustada) leitora, tem certeza de que não está obsidiada? O que seria estar obsidiado no entendimento do Vereza: estar cercado de espíritos inferiores?
Olha (de novo), dá até prá fazer outro desafio: espíritos inferiores, juntem-se a este outro inferior que ora escreve, e votemos na Dilma. Deixemos votarem em Serra os espíritos que se julgam superiores, da elite, saudosos de seus privilégios e exclusividades.
Afinal, o próprio Vereza bradava colérico com o microfone nas mãos: "Onde já se viu deixar um pobre comprar um carro em 70 prestações?" E, certamente, calava o que pensava em seguida: "Ele que enriqueça como eu, ganhe uma biografia, e compre à vista, ou ande a pé! Pobre quer carro prá quê?!"
terça-feira, 17 de agosto de 2010
DA AUTO-GERAÇÃO DE MITOS, OU DA GERAÇÃO DE AUTO-MITOS, OU SEJA O QUE FOR NESTA ESTONTEANTE ORGIA DE PALAVRAS NOVAS!
Já lá se vão umas quatro décadas (tempo suficiente para se lavarem as pretensões), aprendi um negócio interessante chamado de janela johari. Era uma técnica de feedback; uma ferramenta para conhecermos o que achamos de nós mesmos, em confronto com o que os outros acham de nós. Desde então, tenho levado ela em conta em minhas meditações, o que deve ter aumentado, um pouco que seja, minha capacidade de empatia e exercício de alteridade.
Certas críticas que faço à “mitologia” espírita, se inserem nesse contexto.
Há um certo “autismo intelectual” de alguns companheiros em relação a esse caso do recenseamento: “quando vamos conseguir ensinar (sic) as pessoas que kardecismo não existe?!” E continuam com a ladainha de que o termo kardecismo foi criado pelo movimento espírita brasileiro para destacar a “apropriação” do termo espiritismo por outras práticas e crenças.
Já mostramos, algumas postagens atrás, que os termos kardecismo e kardecista eram livremente utilizados na Europa muito antes do movimento espírita brasileiro ter qualquer expressão; e pelos próprios espíritas. Aliás, o termo começou a ser empregado ainda no tempo de Kardec ( veja Revista Espírita de outubro de 1865, página 289 da Edicel), apesar de seus protestos de que não era “autor” da doutrina, mas, apenas, um “facilitador de Deus” (expressão minha, e irônica, sim!), com a missão de diminuir as preocupações do Demiurgo na implantação de sua "terceira revelação" neste insignificante grão de areia cósmica. Basta dizer-se espiritismo, pois se Kardec criou o termo, só o que é kardecista o merece!
Realmente, Kardec diz tê-lo criado. Não no Livro dos Espíritos, na Introdução. Lá, basta lermos bem, Kardec não diz que o criou, diz que o usa. Mas, num texto publicado em Obras Póstumas, quando ele fala da Constituição do Espíritismo, é categórico: "Tomando a iniciativa da constituição do Espiritismo, usamos de um direito comum, o que todo homem tem de completar, como o entender, a obra que haja começado e de ser juiz da oportunidade. Desde o instante em que cada um é livre de aderir ou não a essa obra, ninguém se pode queixar de sofrer uma pressão arbitrária. Criamos a palavra Espiritismo, para atender às necessidades da causa; temos, pois, o direito de lhe determinar as aplicações e de definir as qualidades e as crenças do verdadeiro espírita".
Era no que ele cria. Mas, é a verdade?
O primeiro alerta me veio do Dicionário Houaiss, o mais badalado do momento na língua portuguesa. No verbete espiritismo, ele diz mais ou menos assim (digo "mais ou menos" porque não o tenho no momento para uma transcrição literal: e quem for conferir, o faça também nos verbetes espírita e espiritista): "espiritismo, do francês spiritisme (1857) e do inglês spiritism (1856)" (!). Escrevi à editora pedindo que me dessem disto as fontes: não mereci resposta.
O segundo alerta veio de um blogueiro onipresente, o Vitor Moura, que mantém blogs, páginas, comunidades, e o que mais tem de direito, criticando ferozmente Kardec e o Espiritismo. Mas, certo de que se eu quero me conhecer devo ouvir meus inimigos, trago sua pesquisa:
- Já em 1854 a palavra era utilizada por Orestes Augustus Brownson, em seu livro, "The Spirit-Rapper. An Autobiography", para ser referir à necromancia.
E, mais: No mesmo ano, 1854, Leonard Marsh (1800 – 1870), da Universidade de Vermont, em seu livro "Apocatastasis, or Progress Backwards", editado em Burlington por Chauncey Goodrich, usava o termo spiritism. Talvez fossem essas as fontes que a editora do Houaiss me indicariam, caso me respondessem.
E agora? Kardec, que já havia perdido o direito legal, pois os direitos autorais vencem 60 anos após a morte do autor, perde também o direito moral de "lhe determinar as aplicações e de definir as qualidades e as crenças do verdadeiro espírita"?
E nós, vamos continuar alegando antipaticamente que apenas os kardecistas (ops! kardecismo não existe!) podemos ser chamados de espíritas, e os demais estão usurpando o termo?
Ou, é mais um mito que cai?
De qualquer forma, pelo exposto, torna-se não apenas admissível, mas necessária, a expressão "espiritismo kardecista", pois todas as outras formas, doutrinas ou crenças que têm por base o contato com os espíritos são, também, de pleno "direito histórico", espíritas!
Henri Sausse mostrou que era bom linguista quando fundou, em 1918, em Lyon, Le Spiritisme Kardeciste.
P.S. Este texto está mesmo a exigir um post scriptum, pois, além da necessária correção feita nos "comentários" sobre o verdadeiro autor da pesquisa citada (fontes que eu não verifiquei), é preciso anotar que o Dicionário Houaiss, em edições posteriores à minha consulta, não mais coloca a data de 1856, nem se reporta ao inglês sobre a origem do vocábulo espiritismo. Talvez a editora tenha recebido mais cartas, além da minha, e verificado a precariedade de suas fontes.
Certas críticas que faço à “mitologia” espírita, se inserem nesse contexto.
Há um certo “autismo intelectual” de alguns companheiros em relação a esse caso do recenseamento: “quando vamos conseguir ensinar (sic) as pessoas que kardecismo não existe?!” E continuam com a ladainha de que o termo kardecismo foi criado pelo movimento espírita brasileiro para destacar a “apropriação” do termo espiritismo por outras práticas e crenças.
Já mostramos, algumas postagens atrás, que os termos kardecismo e kardecista eram livremente utilizados na Europa muito antes do movimento espírita brasileiro ter qualquer expressão; e pelos próprios espíritas. Aliás, o termo começou a ser empregado ainda no tempo de Kardec ( veja Revista Espírita de outubro de 1865, página 289 da Edicel), apesar de seus protestos de que não era “autor” da doutrina, mas, apenas, um “facilitador de Deus” (expressão minha, e irônica, sim!), com a missão de diminuir as preocupações do Demiurgo na implantação de sua "terceira revelação" neste insignificante grão de areia cósmica. Basta dizer-se espiritismo, pois se Kardec criou o termo, só o que é kardecista o merece!
Realmente, Kardec diz tê-lo criado. Não no Livro dos Espíritos, na Introdução. Lá, basta lermos bem, Kardec não diz que o criou, diz que o usa. Mas, num texto publicado em Obras Póstumas, quando ele fala da Constituição do Espíritismo, é categórico: "Tomando a iniciativa da constituição do Espiritismo, usamos de um direito comum, o que todo homem tem de completar, como o entender, a obra que haja começado e de ser juiz da oportunidade. Desde o instante em que cada um é livre de aderir ou não a essa obra, ninguém se pode queixar de sofrer uma pressão arbitrária. Criamos a palavra Espiritismo, para atender às necessidades da causa; temos, pois, o direito de lhe determinar as aplicações e de definir as qualidades e as crenças do verdadeiro espírita".
Era no que ele cria. Mas, é a verdade?
O primeiro alerta me veio do Dicionário Houaiss, o mais badalado do momento na língua portuguesa. No verbete espiritismo, ele diz mais ou menos assim (digo "mais ou menos" porque não o tenho no momento para uma transcrição literal: e quem for conferir, o faça também nos verbetes espírita e espiritista): "espiritismo, do francês spiritisme (1857) e do inglês spiritism (1856)" (!). Escrevi à editora pedindo que me dessem disto as fontes: não mereci resposta.
O segundo alerta veio de um blogueiro onipresente, o Vitor Moura, que mantém blogs, páginas, comunidades, e o que mais tem de direito, criticando ferozmente Kardec e o Espiritismo. Mas, certo de que se eu quero me conhecer devo ouvir meus inimigos, trago sua pesquisa:
- Já em 1854 a palavra era utilizada por Orestes Augustus Brownson, em seu livro, "The Spirit-Rapper. An Autobiography", para ser referir à necromancia.
E, mais: No mesmo ano, 1854, Leonard Marsh (1800 – 1870), da Universidade de Vermont, em seu livro "Apocatastasis, or Progress Backwards", editado em Burlington por Chauncey Goodrich, usava o termo spiritism. Talvez fossem essas as fontes que a editora do Houaiss me indicariam, caso me respondessem.
E agora? Kardec, que já havia perdido o direito legal, pois os direitos autorais vencem 60 anos após a morte do autor, perde também o direito moral de "lhe determinar as aplicações e de definir as qualidades e as crenças do verdadeiro espírita"?
E nós, vamos continuar alegando antipaticamente que apenas os kardecistas (ops! kardecismo não existe!) podemos ser chamados de espíritas, e os demais estão usurpando o termo?
Ou, é mais um mito que cai?
De qualquer forma, pelo exposto, torna-se não apenas admissível, mas necessária, a expressão "espiritismo kardecista", pois todas as outras formas, doutrinas ou crenças que têm por base o contato com os espíritos são, também, de pleno "direito histórico", espíritas!
Henri Sausse mostrou que era bom linguista quando fundou, em 1918, em Lyon, Le Spiritisme Kardeciste.
P.S. Este texto está mesmo a exigir um post scriptum, pois, além da necessária correção feita nos "comentários" sobre o verdadeiro autor da pesquisa citada (fontes que eu não verifiquei), é preciso anotar que o Dicionário Houaiss, em edições posteriores à minha consulta, não mais coloca a data de 1856, nem se reporta ao inglês sobre a origem do vocábulo espiritismo. Talvez a editora tenha recebido mais cartas, além da minha, e verificado a precariedade de suas fontes.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
SOCIALISMO E ESPIRITISMO
Leia abaixo as conclusões do primeiro congresso internacional dos espíritas.
Pesquise sobre Robert Owen; Charles Fourier e seu falanstério; Jean-Baptiste André Godin e seu familistério de Guise. Isto, em enciclopédias e na Revista Espírita.
Leia, na Revista Espírita, as referências aos fourieristas e aos saint-simonistas.
Leia, no livro A mesa, o livro e os espíritos, sobre as relações entre espíritas e socialistas no século XIX.
Pesquise sobre Robert Owen; Charles Fourier e seu falanstério; Jean-Baptiste André Godin e seu familistério de Guise. Isto, em enciclopédias e na Revista Espírita.
Leia, na Revista Espírita, as referências aos fourieristas e aos saint-simonistas.
Leia, no livro A mesa, o livro e os espíritos, sobre as relações entre espíritas e socialistas no século XIX.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
CONCLUSÕES DO PRIMEIRO CONGRESSO ESPIRITA INTERNACIONAL, EM BARCELONA, 1888
Conforme eu informei na postagem anterior, houve, nesse Congresso, duas redações de "conclusões": uma pelos delegados espanhóis, outra pelos delegados franceses, belgas, cubanos e italianos. Ambas as redações foram aprovadas pelos congressistas e incorporadas ao relatório do Congresso. A seguir, em tradução livre, a redação que finaliza o relatório:
"Por unanimidade, os dirigentes do encontro e todos os delegados, aceitaram o que segue, afirmado e proposto pelos senhores Eulogio Prieto, Juan J. Garay, Tomas de Ona, Ercole Chiaïa, Giovanni Hoffman, Efisio Ungher, José Nicolau Bartomeu, Pierre Gaëtan Leymarie, delegados belgas, cubanos, franceses e italianos:"
"O Congresso Espírita Internacional, reunido em Barcelona, em 8 de setembro de 1888, afirma e proclama a existência real e indiscutível das relações entre as almas encarnadas e desencarnadas.
"Considerando esse fato em suas fases diversas, o Congresso declara o seguinte:
1o. O Espiritismo é uma ciência positiva e experimental sancionada pela investigação constante e pela história;
2o. O Espiritismo é uma ciência filosófica superior que satisfaz mais que qualquer outra a consciência, a razão e a justiça;
3o. O Espiritismo é uma ciência psicológica que nos prova a existência da alma e nos dá a explicação mais lógica das relações mútuas da alma e do corpo;
4o. O Espiritismo é uma ciência divina que leva a uma crença racional em Deus e à certeza de uma vida futura, que estabelece a responsabilidade dos nossos atos segundo a estrita justiça, e prova a necessidade das reencarnações sucessivas como meio de progresso indefinido, seja sobre o nosso planeta, seja pelos mundos siderais;
5o. O Espiritismo deve se tornar uma ciência social, visando resolver os problemas humanitários seguintes: - de educação e de instrução integral para os dois sexos; - de legislação; - de propriedade; - de mutualidade; - de associação; - de fraternidade;
6o. O Espiritismo é a verdadeira escola do respeito devido a todos os pesquisadores de verdades, mesmo que eles não sejam adeptos do fundador de nossa filosofia, de nosso vulgarizador Allan Kardec;
"Em consequencia, o Congresso adere à proposições seguintes, que os delegados se propõem a executar em seus respectivos países, desde que circunstâncias favoráveis o permitam:
A. Tender continuamente a unir, a federar todos os espíritas de um mesmo país, a federar entre si todos os centros espíritas nacionais;
B. Introduzir os elementos da doutrina espírita no ensino popular, e implantar cadeiras de filosofia espírita em nossas escolas superiores;
C. Propagar a doutrina entre as massas, as oficinas, os centros industriais, as mais humildes comunidades, através de brochuras, de conferências gratuitas ou por meio da imprensa;
D. Prevenir os grupos e os centros espíritas, pois que o mestre Allan Kardec nos deixou especialmente prevenidos, quanto à credulidade excessiva nos ensinamentos hauridos com a ajuda das comunicações com o além: é preciso submetê-los a um critério severo, dizia ele; a credulidade sem controle, desacredita o Espiritismo;
E. Convidar a todo amigo sério do progresso para o estudo aplicado e imparcial das obras e fatos espíritas, e da ciência em geral;
F. Estabelecer que, se é logicamente preciso uma federação espírita local, departamental, regional, cada qual deve ter, segundo suas tendências e seu talento, completa liberdade de ação nos domínios do Espiritismo;
G. Ensinar o desdém ao ostracismo, devendo nossas fileiras ficarem sempre largamente abertas;
H. Interessar os espíritas no estudo da cooperação e da associação prática, segundo o modelo instituído em Guise, França, pelo Sr. Godin, fundador do familistério. Para extinguir o ódio de classes, e tornar impossível as revoluções e suas violências, visar a associação do capital e do trabalho, tal como aquele homem de bem;
I. Transformar as prisões penitenciárias em instituições de moralização, para reabilitar o homem caído no mal, exatamente como o faz em Paris a Sociedade dos Libertos de Saint Lazare, sob a direção da honorável e corajosa senhora Isabelle Bogelot;
J. Estabelecer um movimento de idéias para secundar toda ação que tenha por fim modificar os sistemas civis e penais de cada país no sentido da caridade e da justiça segundo o Espiritismo;
K. Unir-se a toda sociedade constituída para impedir os conflitos entre as nações por meio da arbitragem internacional permanente;
L. Tender progressivamente a desarmar as nações, a abolir as fronteiras, com a ajuda da palavra e da imprensa;
M. Propugnar pela supressão da pena de morte em todo lugar onde ela exista;
N. Trabalhar para destruir a escravidão sob todas as suas formas.
15 de setembro de 1888.
Os delegados belgas, cubanos, franceses, italianos e espanhóis."
"Por unanimidade, os dirigentes do encontro e todos os delegados, aceitaram o que segue, afirmado e proposto pelos senhores Eulogio Prieto, Juan J. Garay, Tomas de Ona, Ercole Chiaïa, Giovanni Hoffman, Efisio Ungher, José Nicolau Bartomeu, Pierre Gaëtan Leymarie, delegados belgas, cubanos, franceses e italianos:"
"O Congresso Espírita Internacional, reunido em Barcelona, em 8 de setembro de 1888, afirma e proclama a existência real e indiscutível das relações entre as almas encarnadas e desencarnadas.
"Considerando esse fato em suas fases diversas, o Congresso declara o seguinte:
1o. O Espiritismo é uma ciência positiva e experimental sancionada pela investigação constante e pela história;
2o. O Espiritismo é uma ciência filosófica superior que satisfaz mais que qualquer outra a consciência, a razão e a justiça;
3o. O Espiritismo é uma ciência psicológica que nos prova a existência da alma e nos dá a explicação mais lógica das relações mútuas da alma e do corpo;
4o. O Espiritismo é uma ciência divina que leva a uma crença racional em Deus e à certeza de uma vida futura, que estabelece a responsabilidade dos nossos atos segundo a estrita justiça, e prova a necessidade das reencarnações sucessivas como meio de progresso indefinido, seja sobre o nosso planeta, seja pelos mundos siderais;
5o. O Espiritismo deve se tornar uma ciência social, visando resolver os problemas humanitários seguintes: - de educação e de instrução integral para os dois sexos; - de legislação; - de propriedade; - de mutualidade; - de associação; - de fraternidade;
6o. O Espiritismo é a verdadeira escola do respeito devido a todos os pesquisadores de verdades, mesmo que eles não sejam adeptos do fundador de nossa filosofia, de nosso vulgarizador Allan Kardec;
"Em consequencia, o Congresso adere à proposições seguintes, que os delegados se propõem a executar em seus respectivos países, desde que circunstâncias favoráveis o permitam:
A. Tender continuamente a unir, a federar todos os espíritas de um mesmo país, a federar entre si todos os centros espíritas nacionais;
B. Introduzir os elementos da doutrina espírita no ensino popular, e implantar cadeiras de filosofia espírita em nossas escolas superiores;
C. Propagar a doutrina entre as massas, as oficinas, os centros industriais, as mais humildes comunidades, através de brochuras, de conferências gratuitas ou por meio da imprensa;
D. Prevenir os grupos e os centros espíritas, pois que o mestre Allan Kardec nos deixou especialmente prevenidos, quanto à credulidade excessiva nos ensinamentos hauridos com a ajuda das comunicações com o além: é preciso submetê-los a um critério severo, dizia ele; a credulidade sem controle, desacredita o Espiritismo;
E. Convidar a todo amigo sério do progresso para o estudo aplicado e imparcial das obras e fatos espíritas, e da ciência em geral;
F. Estabelecer que, se é logicamente preciso uma federação espírita local, departamental, regional, cada qual deve ter, segundo suas tendências e seu talento, completa liberdade de ação nos domínios do Espiritismo;
G. Ensinar o desdém ao ostracismo, devendo nossas fileiras ficarem sempre largamente abertas;
H. Interessar os espíritas no estudo da cooperação e da associação prática, segundo o modelo instituído em Guise, França, pelo Sr. Godin, fundador do familistério. Para extinguir o ódio de classes, e tornar impossível as revoluções e suas violências, visar a associação do capital e do trabalho, tal como aquele homem de bem;
I. Transformar as prisões penitenciárias em instituições de moralização, para reabilitar o homem caído no mal, exatamente como o faz em Paris a Sociedade dos Libertos de Saint Lazare, sob a direção da honorável e corajosa senhora Isabelle Bogelot;
J. Estabelecer um movimento de idéias para secundar toda ação que tenha por fim modificar os sistemas civis e penais de cada país no sentido da caridade e da justiça segundo o Espiritismo;
K. Unir-se a toda sociedade constituída para impedir os conflitos entre as nações por meio da arbitragem internacional permanente;
L. Tender progressivamente a desarmar as nações, a abolir as fronteiras, com a ajuda da palavra e da imprensa;
M. Propugnar pela supressão da pena de morte em todo lugar onde ela exista;
N. Trabalhar para destruir a escravidão sob todas as suas formas.
15 de setembro de 1888.
Os delegados belgas, cubanos, franceses, italianos e espanhóis."
segunda-feira, 19 de julho de 2010
NOVAMENTE O PRIMEIRO CONGRESSO ESPIRITA INTERNACIONAL
Conforme prometido, de vez em quando "posto" aqui, a título de curiosidade, a tradução de alguns trechos do relatório do Congresso Espírita Internacional de Barcelona, 1888. Agora,vamos colocar as afirmações e conclusões.
Atendendo pedidos, principalmente de correspondentes (ou seja, os que não estando presente, assim se faziam por cartas), os organizadores resolveram elaborar dois textos conclusivos: um pelos espanhóis; outro pelos franco-belga-italianos. Talvez tenha sido uma estratégia para contornar a famosa teimosia espanhola que, por certo, impediria uma redação definitiva. (Brincadeirinha, claro!).
A comissão franco-belga-italiana era constituída por Pierre-Gaëtan Leymarie (França), Efisio Ungher e Ercole Chiaia (Itália), José Nicolau Bartomeu (Cuba!).
A espanhola: Joaquin Huelbes Temprado, Manoel Sanz y Benito, Miguel Vives e Juan Chinchilla (Espanha), Eulogio Prieto (Cuba!), Pedro Fortoult Hurtado (Venezuela).
Por unanimidade, as seguintes conclusões da "escola espanhola" foram adotadas:
"O primeiro Congresso Espírita Internacional afirma e proclama a existência e potencialidade do Espiritismo, integral e progressiva.
"Seus fundamentos são: - A existência de Deus. - A infinidade dos mundos habitados. - A pre-existência e a persistência do Espiritismo. - A demonstração experimental da sobrevivência da alma humana através da comunicação mediúnica com os espíritos. - A infinidade de fases durante a vida infinita de cada ser. - Recompensas e penas como consequencias naturais dos atos. - O progresso infinito. - A comunhão universal dos seres. - A solidariedade.
"O caráter atual do Espiritismo se formula assim:
1o. Ele forma uma ciência positiva e experimental;
2o. Ele é a forma contemporânea da reparação;
3o. Ele consagra uma etapa importante do progresso humano;
4o. Ele dá solução aos problemas mais profundos, morais e sociais;
5o. Ele realça a razão e o sentimento, e satisfaz a consciência;
6o. Ele não impõe crença alguma, apenas convida ao estudo;
7o. Ele realiza uma grande aspiração, que é consequencia de uma necessidade histórica.
"Consequente com os princípios enunciados, o Congresso entende que toda Sociedade e todo adepto, deve, pelos meios legais à sua disposição, prestar apoio e colaboração às individualidades ou coletividades que se ocupam de civilizar os homens; assim, o Congresso aconselha:
A. O estudo completo da doutrina espírita.
B. Sua propagação incessante por todo meio lícito.
C. Sua realização constante pela prática das virtudes públicas e privadas.
"Para obter tal resultado o Congresso entende que cada Sociedade e cada adepto espírita deve encarar todo homem de boa vontade como um irmão durante a luta da vida, o combate contra o vício, o erro e o sofrimento. Para isso, aconselha:
D. O respeito a todos os investigadores, a todos os propagadores de verdades, mesmo se eles não forem espíritas.
E. O esforço constante no sentido de laicizar a sociedade em todas as esferas da vida;
F. Procurar obter a liberdade absoluta de pensamento, de ensinamento integral para os dois sexos, de cosmopolitismo abraçando todas as relações sociais;
G. A federação autônoma de todos os espíritas, todo adepto pertencendo a uma sociedade constituída, cada sociedade devendo manter relações constantes com o centro de sua localidade, todo centro local com o centro nacional, e cada centro nacional com os de outras nacionalidades.
"Enfim, o Congresso nota que não é conveniente aceitar sem exame as doutrinas de uma individualidade ou de uma sociedade que não queira admitir tais conselhos.
"È preciso ainda remarcar que Allan Kardec demonstra em suas obras o perigo da crença excessiva nas comunicações mediúnicas, e que é preciso, diz ele, submeter ao cadinho da razão e da lógica, uma vez que o simples fato da morte não confere progresso.
Barcelona, 15 de setembro de 1888".
Pretendo postar em breve as afirmações e conclusões dos delegados franceses, belgas, italianos, e aquele cubano perdido no meio deles.
Atendendo pedidos, principalmente de correspondentes (ou seja, os que não estando presente, assim se faziam por cartas), os organizadores resolveram elaborar dois textos conclusivos: um pelos espanhóis; outro pelos franco-belga-italianos. Talvez tenha sido uma estratégia para contornar a famosa teimosia espanhola que, por certo, impediria uma redação definitiva. (Brincadeirinha, claro!).
A comissão franco-belga-italiana era constituída por Pierre-Gaëtan Leymarie (França), Efisio Ungher e Ercole Chiaia (Itália), José Nicolau Bartomeu (Cuba!).
A espanhola: Joaquin Huelbes Temprado, Manoel Sanz y Benito, Miguel Vives e Juan Chinchilla (Espanha), Eulogio Prieto (Cuba!), Pedro Fortoult Hurtado (Venezuela).
Por unanimidade, as seguintes conclusões da "escola espanhola" foram adotadas:
"O primeiro Congresso Espírita Internacional afirma e proclama a existência e potencialidade do Espiritismo, integral e progressiva.
"Seus fundamentos são: - A existência de Deus. - A infinidade dos mundos habitados. - A pre-existência e a persistência do Espiritismo. - A demonstração experimental da sobrevivência da alma humana através da comunicação mediúnica com os espíritos. - A infinidade de fases durante a vida infinita de cada ser. - Recompensas e penas como consequencias naturais dos atos. - O progresso infinito. - A comunhão universal dos seres. - A solidariedade.
"O caráter atual do Espiritismo se formula assim:
1o. Ele forma uma ciência positiva e experimental;
2o. Ele é a forma contemporânea da reparação;
3o. Ele consagra uma etapa importante do progresso humano;
4o. Ele dá solução aos problemas mais profundos, morais e sociais;
5o. Ele realça a razão e o sentimento, e satisfaz a consciência;
6o. Ele não impõe crença alguma, apenas convida ao estudo;
7o. Ele realiza uma grande aspiração, que é consequencia de uma necessidade histórica.
"Consequente com os princípios enunciados, o Congresso entende que toda Sociedade e todo adepto, deve, pelos meios legais à sua disposição, prestar apoio e colaboração às individualidades ou coletividades que se ocupam de civilizar os homens; assim, o Congresso aconselha:
A. O estudo completo da doutrina espírita.
B. Sua propagação incessante por todo meio lícito.
C. Sua realização constante pela prática das virtudes públicas e privadas.
"Para obter tal resultado o Congresso entende que cada Sociedade e cada adepto espírita deve encarar todo homem de boa vontade como um irmão durante a luta da vida, o combate contra o vício, o erro e o sofrimento. Para isso, aconselha:
D. O respeito a todos os investigadores, a todos os propagadores de verdades, mesmo se eles não forem espíritas.
E. O esforço constante no sentido de laicizar a sociedade em todas as esferas da vida;
F. Procurar obter a liberdade absoluta de pensamento, de ensinamento integral para os dois sexos, de cosmopolitismo abraçando todas as relações sociais;
G. A federação autônoma de todos os espíritas, todo adepto pertencendo a uma sociedade constituída, cada sociedade devendo manter relações constantes com o centro de sua localidade, todo centro local com o centro nacional, e cada centro nacional com os de outras nacionalidades.
"Enfim, o Congresso nota que não é conveniente aceitar sem exame as doutrinas de uma individualidade ou de uma sociedade que não queira admitir tais conselhos.
"È preciso ainda remarcar que Allan Kardec demonstra em suas obras o perigo da crença excessiva nas comunicações mediúnicas, e que é preciso, diz ele, submeter ao cadinho da razão e da lógica, uma vez que o simples fato da morte não confere progresso.
Barcelona, 15 de setembro de 1888".
Pretendo postar em breve as afirmações e conclusões dos delegados franceses, belgas, italianos, e aquele cubano perdido no meio deles.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
A GÊNESE, OS MILAGRES, AS PREDIÇÕES e as espiritices brasilianas...(II)
(Esta postagem foi revisada pelo autor em 31.05.2012, e publicada nesta data sob o título: LINHA DO TEMPO ESCLARECE EDIÇÕES DA GÊNESE).
Ante a polêmica a respeito das alterações feitas na Gênese de Kardec (as autorizadas, do autor, e as desautorizadas, dos que querem "atualizá-lo"; vejam a postagem anterior), tentei elaborar uma LINHA DO TEMPO, que aqui disponibilizo para que completem, corrijam, critiquem ou desprezem...
06.01.1868 - Lançamento do livro A Gênese, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, pela Librairie Internationale - A. Lacroix, Verboeckhoven et Co. Editeurs. Segundo Desliens - secretário de Kardec, médium da Sociedade Espírita de Paris e, posteriormente, membro da Comissão Central que sucedeu o fundador -, o contrato inicial previa uma tiragem com três edições; as fôrmas de impressão seriam de propriedade de Kardec. (Revista Espírita, jan/1868; mar/1885). OBS.: A Rouge Frères, Dunon et Fresné, Rue du Four Saint-Germain, 43, citada por alguns articulista como "editores" é, na verdade, a tipografia onde foram impressas as quatro edições de 1868, da Librairie Internationale, bem como, a quinta edição de 1872, já então da Librairie Spirite.
xx.02.1868 - Kardec determina uma tiragem em brochura à parte do capítulo Caracteres da Revelação Espírita. (Revista Espírita, fev/1868).
xx.02.1868 - Kardec inicia a tiragem da segunda edição. (Revista Espírita, fev/1868). OBS.: Sem qualquer alteração; idêntica à primeira.
22.02.1868 - Os espíritos apoiam Kardec na intenção de promover alterações na Gênese e o alertam para que conte com o esgotamento rápido dos volumes. (Obras Póstumas).
04.07.1868 - Os guias de Kardec o incitam a apressar o trabalho de remodelação da Gênese: "Acréscimos em diversos pontos (...) e condensação aqui e ali para não tornar mais extenso o volume". E, ante a possibilidade do esgotamento das edições no mercado, dizem: "Não perca tempo: é preferível que os volumes esperem pelo público, do que este por eles". (Obras Póstumas)
xx.07.1868 - Artigo na Revue sobre a "Geração Espontânea e a Gênese".
xx.09.1868 - Correspondência na Revue sobre o capítulo "Aumento e diminuição do volume da Terra" e publicaçao do texto "A alma da Terra", que Kardec incluiria na revisão da obra, e sairia apenas na 5a. edição.
xx.10.1868 - Última alusão na Revue à Librairie Internationale, por ocasião do lançamento da brochura contendo a correspondência de Lavater.
xx.xx.1868 - Antes que o ano termine a Librairie Internationale, de A.Lacroix, Verboeckhoven et Co.Editeurs, vai à falência! (Revista Espírita, mar/1885).
xx.xx.1869 - Ano novo, mudança total. Kardec planeja entregar os encargos do movimento espírita a uma Comissão Central e dedicar-se apenas a atividades intelectuais em sua residência na Avenue et Villa Ségur, 39, atrás dos Inválidos. Cria a Librairie Spirite, que passará a publicar e distribuir a Revue e suas demais obras, na rue de Lille, 7. O Sr. Bittard, antigo funcionário da falida Librairie Internationale é indicado para ser o gerente. A Sociedade Espírita de Paris também se transfere provisoriamente para o mesmo endereço. Tudo isso é planejado por Kardec para ter início em 01.04.1869.
Em meio à mudança de coisas para sua casa na Avenue et Villa Ségur e coisas para a rue de Lille, no já quase deserto escritório da Passage Saint'Anne, em 31 de março, Kardec morre! A Sra. Allan Kardec, única proprietária legal de suas obras e da Revue, após uma tentativa frustrada de convencer Camille Flammarion a sucedê-lo, decide:
"Primeiro: Doar anualmente à Caixa Geral do Espiritismo o excedente dos lucros provenientes da venda dos livros espíritas e das assinaturas da Revue, isto é, das operações da Livraria Espírita; mas com a condição expressa de que ninguém, a título de membro da Comissão Central ou outro, tenha o direito de imiscuir-se neste negócio industrial, e que os recebimentos, sejam quais forem, sejam recolhidos sem observação, desde que ela pretende tudo gerir pessoalmente, determinar a reimpressão das obras, as publicações novas, regular a seu critério os emolumentos de seus empregados, o aluguel, as despesas futuras, numa palavra, todos os gastos gerais;
Segundo: A Revue está aberta à publicação dos artigos que a Comissão Central julgar úteis à causa do Espiritismo, mas com a condição expressa de serem previamente sancionados pela proprietária e a Comissão de Redação, o mesmo se dando com todas as publicações, sejam quais forem;
Terceiro: A Caixa Geral do Espiritismo é confiada a um tesoureiro, encarregado da gerência dos fundos, sob a supervisão da Comissão Diretora. Até que seja o caso de usá-los, esses fundos serão empregados na aquisição de propriedades imobiliárias para enfrentar todas as eventualidades. Anualmente o tesoureiro fará uma detalhada prestação de contas da situação da Caixa, que será publicada na Revue." Por incrível que pareça, ela "foi objeto de felicitações unânimes". (Revista Espírita, 1868/1869; Obras Póstumas).
xx.xx.1870 - Segundo seus biógrafos, Pierre-Gaetan Leymarie assume a direção do movimento espírita (Sociedade, Revista e Livraria). Leymarie conviveu e colaborou com Kardec, como médium e como divulgador do espiritismo, recebendo total confiança de Amelie Boudet. (Sites brasileiros, encontrados pelo Google).
01.06.1871 - Segundo informação de Desliens, esta é a data limite em que a Sociedade, a Revista e as impressões das obras de Kardec estiveram diretamente a cargo de Bittard, Tailleur e Desliens. Presume-se que só a partir desta data Leymarie tenha assumido efetivamente tal mister. (Revista Espírita, 1885).
xx.xx.1872 - Lançamento da QUINTA EDIÇÃO da Gênese, agora pela Librairie Spirite (conforme se pode verificar por noticie bibliographique da Bibliothèque Nationale de France). A BNF mantém esta edição em seu acervo com a identificação: FRBNF30010935.
A quarta edição foi, ainda, publicada pela Librairie Internationale.
Aliás, hoje em dia, pela internet, pode-se encontrar o original de todas essas edições (1a2a3a4a5a) em várias bibliotecas francesas, assim como disponibilizadas em sites brasileiros.
xx.xx.1883 - Fundição dos clichês da Gênese. (Revista Espírita, 1885).
xx.xx.1884 - Henri Sausse, espírita, polemista, biógrafo de Kardec e iniciador da utilização midiática da expressão "espiritismo kardecista", após comparar os textos das edições da Librairie Internationale com o texto da edição da Libraire Spirite, acusa Leymarie de ter feito alterações na Gênese, gerando ruidosa celeuma no meio espírita. (Sites brasileiros, encontrados pelo Google).
15.03.1885 - Desliens, que estava afastado do movimento espírita desde 1871, escreve uma carta à Sociedade com a intenção de defender Leymarie.
Segundo ele, Kardec contratou com a Librairie Internationale as três primeiras edições, e, ainda em 1868, autorizou a 4a, 5a. e 6a. E que as matrizes destas três últimas serviram para as edições de 1869 a 187l (período em que ele esteve à frente do negócio) "e em diante". E sugere que Kardec tenha feito as alterações objeto da celeuma nestas placas, uma vez que eram fôrmas de letras soltas. Diz ainda que a última edição de 1868 era idêntica à primeira. (Revista Espírita, 1885). OBS.: Esta última afirmação de Desliens pode, hoje, ser comprovada por qualquer pessoa que se disponha a cotejar as edições de 1868.
Contradições: Segundo fac-simile apresentado pela Léon Denis Gráfica e Editora, do Rio, a 4a. edição é de 1868 e da Librairie Internationale. Segundo notice bibliographique da BNF, a 5a. edição é de 1872 e da Libraire Spirite. Não encontramos outras 5a. e 6a. edições de responsabilidade de Desliens; aliás, não encontramos ainda nenhuma edição entre 1869 e 1871!
xx.xx.1911 - Guillon Ribeiro torna-se espírita, vindo a ocupar a presidência da FEB e a produzir inúmeras traduções, incluindo a Gênese de Kardec, que ele diz ter traduzido a partir do original da QUINTA EDIÇÃO. (Sites brasileiros, encontrados via Google).
É evidente que a tradução de Guillon Ribeiro foi feita após 1911; portanto, no mínimo, 27 anos após as denúncias de Henri Sausse, 38 anos após a publicação da edição que lhe serviu de base, e 41 anos após as alterações objeto das denúncias.
xx.xx.00 - Carlos Brito Imbassahy, espírita brasileiro, refaz, cento e tantos anos depois, o caminho de Henri Sausse: compara a TERCEIRA EDIÇÂO da Gênese francesa, de 1868, com a atual edição brasileira da FEB; constata as diferenças e acusa o tradutor brasileiro, Guillon Ribeiro, de ter feito as alterações. Disponibiliza na internet uma tradução do original da terceira edição ("ao pé da letra", segundo sua advertência) que diz ter em seu poder. (Sites e blogs brasileiros, encontrados via Google).
xx.xx.2007 - A empresa Léon Denis Gráfica e Editora, do Rio, publica uma tradução da Gênese, de Albertina Escudeiro Sêco, afirmando ser baseada na QUARTA EDIÇÂO, de 1868, ainda da Librairie Internationale, da qual exibe fac-simile apenas da folha de rosto. Ousadamente, perpetra uma série de alterações no texto de Kardec, a pretexto de "atualizá-lo". (A Gênese, Léon Denis Gráfica e Editora).
Assim, temos atualmente duas versões da Gênese disponíveis no mercado editorial brasileiro. Uma, baseada na versão francesa fixada desde a quinta edição de 1872, traduzida por Guillon Ribeiro, Herculano Pires, Salvador Gentille, e outros. Outra, baseada na versão de 1868, traduzida e alterada por Albertina Escudeiro Sêco. Além dessas, existe a tradução de Carlos Brito Imbassahy, baseada, segundo ele, na terceira edição, de 1868, e disponibilizada gratuitamente na internet.
Bem, penso que esta linha do tempo absolve o Guillon Ribeiro. Quando as alterações foram feitas, seja por Kardec ou por Leymarie, ele não havia nem nascido. Quando ele fez sua tradução, passados quarenta anos dos fatos, ele só poderia agir como todos os outros tradutores, de todos os idiomas: utilizar a versão definitiva, disponibilizada pelos que ainda detinham seus direitos autorais.
Dispensam absolvição, porque não foram acusados, os demais tradutores brasileiros, bem como os vários editores franceses, que utilizam a versão fixada a partir da quinta edição.
Quando eu publiquei este post a primeira vez, eu disse que "nossas conclusões seriam enormemente facilitadas se fossem disponibilizadas ao público, em fac-simile, digitalizados, os originais da terceira edição (pelo Carlos Imbassahy), da quarta edição (pela LDGE) e da quinta edição (pela FEB)". Vejam como as coisas evoluem rapidamente na web: não precisamos mais disto. O historiador Felipe Gonçalves gentilmente me forneceu cópia da 4a. edição francesa; e, por informação dele, consegui junto ao site do IPEAK - Instituto de Pesquisa Espírita Allan Kardec, a 1a., 3a. e 5a. edições francesas. Tais fac-similes originais fazem referência aos locais onde estão armazenados e disponíveis.
Fiz a pretendida comparação, o cotejo, das edições francesas entre si, e delas com as traduções brasileiras -- de forma completa nos trechos polêmicos; mais rapidamente nos demais capítulos --, e posso afirmar que:
a) as quatro edições de 1868, da Librairie Internationale, tal como disse Desliens, SÃO IDÊNTICAS, o que demonstra que NENHUMA FOI REVISADA POR KARDEC.
b) a tradução do Guillon Ribeiro está rigorosamente fiel à 5a edição francesa de 1872, o que demonstra que ele NÃO É RESPONSÁVEL POR ALTERAÇÃO ALGUMA NA GÊNESE.
Agora, a situação do Leymarie complica um pouco, tendo em vista as inconsistências no depoimento do Desliens, feito 14 anos após os fatos.
A seu favor temos os inúmeros escritos e publicações de Kardec anunciando que preparava várias alterações na Gênese: acréscimos e supressões. Considere-se também o trabalhão que Leymarie teria para fazer todas as alterações no curto espaço de tempo entre o dia 01 de junho de 1871 e o dia do início da impressão, provavelmente já em 1872. Pergunte-se também, qual seria a motivação (o velho "a quem interessaria o crime?") que lhe justificasse tanto trabalho.
O mais provável, que ressalta da presente linha do tempo e da leitura e comparação das edições francesas e traduçoes brasileiras, é que Kardec, após autorizar que Bittard usasse a massa falida da Librairie Internationale para, em fins de 1868, fazer uma quarta edição a toque de caixa e antes mesmo que se esgotassem as demais, reuniu-se com ele e fez as alterações anunciadas diretamente nas matrizes, a fim de imprimir com elas uma quinta edição, definitiva, e já em casa, na Livraria Espírita. A morte, entretanto, interrompeu seus planos, e a natural confusão estabelecida entre esse trágico episódio e a assunção das edições pelo Leymarie, período em que este último segundo Desliens não teve acesso às matrizes, foi suficiente para que esquecessem as alterações, até que o Sausse as identificasse muitos anos depois. Isto só será definitivamente esclarecido se aparecer algum exemplar da suposta 5a. e 6a. edições feitas pelo Desliens: se elas forem iguais à 5a. de 1872, fica provado que a revisão foi feita por Karec; se elas forem iguais às anteriores (1a2a3a4a de 1868), a suspeita volta sobre o Leymarie.
Bem, aí está o resultado de uma pesquisa histórica orientada por princípios científicos. Qualquer pessoa poderá comprovar ou refutar minhas afirmações acessando todo o material correspondente, hoje disponibilizado em bibliotecas e sites, conforme detalhei ao longo do texto.
Evidentemente, tal pesquisa contraria toda a mitologia estabelecida nas redes sociais sobre o assunto. Mas, isto é porque toda essa boataria foi motivada mais por disposições ideológicas do que pela pesquisa e análise racional dos fatos.
A 5a. edição, definitiva, está, em alguns pontos, melhor redigida que as anteriores. Os itens suprimidos não enfraquecem em nada a posição anti-roustainguista deixada clara por Kardec. Tanto é que Guillon e a FEB obrigaram-se a notas de pé de página defendendo suas posições.
Ante a polêmica a respeito das alterações feitas na Gênese de Kardec (as autorizadas, do autor, e as desautorizadas, dos que querem "atualizá-lo"; vejam a postagem anterior), tentei elaborar uma LINHA DO TEMPO, que aqui disponibilizo para que completem, corrijam, critiquem ou desprezem...
06.01.1868 - Lançamento do livro A Gênese, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, pela Librairie Internationale - A. Lacroix, Verboeckhoven et Co. Editeurs. Segundo Desliens - secretário de Kardec, médium da Sociedade Espírita de Paris e, posteriormente, membro da Comissão Central que sucedeu o fundador -, o contrato inicial previa uma tiragem com três edições; as fôrmas de impressão seriam de propriedade de Kardec. (Revista Espírita, jan/1868; mar/1885). OBS.: A Rouge Frères, Dunon et Fresné, Rue du Four Saint-Germain, 43, citada por alguns articulista como "editores" é, na verdade, a tipografia onde foram impressas as quatro edições de 1868, da Librairie Internationale, bem como, a quinta edição de 1872, já então da Librairie Spirite.
xx.02.1868 - Kardec determina uma tiragem em brochura à parte do capítulo Caracteres da Revelação Espírita. (Revista Espírita, fev/1868).
xx.02.1868 - Kardec inicia a tiragem da segunda edição. (Revista Espírita, fev/1868). OBS.: Sem qualquer alteração; idêntica à primeira.
22.02.1868 - Os espíritos apoiam Kardec na intenção de promover alterações na Gênese e o alertam para que conte com o esgotamento rápido dos volumes. (Obras Póstumas).
04.07.1868 - Os guias de Kardec o incitam a apressar o trabalho de remodelação da Gênese: "Acréscimos em diversos pontos (...) e condensação aqui e ali para não tornar mais extenso o volume". E, ante a possibilidade do esgotamento das edições no mercado, dizem: "Não perca tempo: é preferível que os volumes esperem pelo público, do que este por eles". (Obras Póstumas)
xx.07.1868 - Artigo na Revue sobre a "Geração Espontânea e a Gênese".
xx.09.1868 - Correspondência na Revue sobre o capítulo "Aumento e diminuição do volume da Terra" e publicaçao do texto "A alma da Terra", que Kardec incluiria na revisão da obra, e sairia apenas na 5a. edição.
xx.10.1868 - Última alusão na Revue à Librairie Internationale, por ocasião do lançamento da brochura contendo a correspondência de Lavater.
xx.xx.1868 - Antes que o ano termine a Librairie Internationale, de A.Lacroix, Verboeckhoven et Co.Editeurs, vai à falência! (Revista Espírita, mar/1885).
xx.xx.1869 - Ano novo, mudança total. Kardec planeja entregar os encargos do movimento espírita a uma Comissão Central e dedicar-se apenas a atividades intelectuais em sua residência na Avenue et Villa Ségur, 39, atrás dos Inválidos. Cria a Librairie Spirite, que passará a publicar e distribuir a Revue e suas demais obras, na rue de Lille, 7. O Sr. Bittard, antigo funcionário da falida Librairie Internationale é indicado para ser o gerente. A Sociedade Espírita de Paris também se transfere provisoriamente para o mesmo endereço. Tudo isso é planejado por Kardec para ter início em 01.04.1869.
Em meio à mudança de coisas para sua casa na Avenue et Villa Ségur e coisas para a rue de Lille, no já quase deserto escritório da Passage Saint'Anne, em 31 de março, Kardec morre! A Sra. Allan Kardec, única proprietária legal de suas obras e da Revue, após uma tentativa frustrada de convencer Camille Flammarion a sucedê-lo, decide:
"Primeiro: Doar anualmente à Caixa Geral do Espiritismo o excedente dos lucros provenientes da venda dos livros espíritas e das assinaturas da Revue, isto é, das operações da Livraria Espírita; mas com a condição expressa de que ninguém, a título de membro da Comissão Central ou outro, tenha o direito de imiscuir-se neste negócio industrial, e que os recebimentos, sejam quais forem, sejam recolhidos sem observação, desde que ela pretende tudo gerir pessoalmente, determinar a reimpressão das obras, as publicações novas, regular a seu critério os emolumentos de seus empregados, o aluguel, as despesas futuras, numa palavra, todos os gastos gerais;
Segundo: A Revue está aberta à publicação dos artigos que a Comissão Central julgar úteis à causa do Espiritismo, mas com a condição expressa de serem previamente sancionados pela proprietária e a Comissão de Redação, o mesmo se dando com todas as publicações, sejam quais forem;
Terceiro: A Caixa Geral do Espiritismo é confiada a um tesoureiro, encarregado da gerência dos fundos, sob a supervisão da Comissão Diretora. Até que seja o caso de usá-los, esses fundos serão empregados na aquisição de propriedades imobiliárias para enfrentar todas as eventualidades. Anualmente o tesoureiro fará uma detalhada prestação de contas da situação da Caixa, que será publicada na Revue." Por incrível que pareça, ela "foi objeto de felicitações unânimes". (Revista Espírita, 1868/1869; Obras Póstumas).
xx.xx.1870 - Segundo seus biógrafos, Pierre-Gaetan Leymarie assume a direção do movimento espírita (Sociedade, Revista e Livraria). Leymarie conviveu e colaborou com Kardec, como médium e como divulgador do espiritismo, recebendo total confiança de Amelie Boudet. (Sites brasileiros, encontrados pelo Google).
01.06.1871 - Segundo informação de Desliens, esta é a data limite em que a Sociedade, a Revista e as impressões das obras de Kardec estiveram diretamente a cargo de Bittard, Tailleur e Desliens. Presume-se que só a partir desta data Leymarie tenha assumido efetivamente tal mister. (Revista Espírita, 1885).
xx.xx.1872 - Lançamento da QUINTA EDIÇÃO da Gênese, agora pela Librairie Spirite (conforme se pode verificar por noticie bibliographique da Bibliothèque Nationale de France). A BNF mantém esta edição em seu acervo com a identificação: FRBNF30010935.
A quarta edição foi, ainda, publicada pela Librairie Internationale.
Aliás, hoje em dia, pela internet, pode-se encontrar o original de todas essas edições (1a2a3a4a5a) em várias bibliotecas francesas, assim como disponibilizadas em sites brasileiros.
xx.xx.1883 - Fundição dos clichês da Gênese. (Revista Espírita, 1885).
xx.xx.1884 - Henri Sausse, espírita, polemista, biógrafo de Kardec e iniciador da utilização midiática da expressão "espiritismo kardecista", após comparar os textos das edições da Librairie Internationale com o texto da edição da Libraire Spirite, acusa Leymarie de ter feito alterações na Gênese, gerando ruidosa celeuma no meio espírita. (Sites brasileiros, encontrados pelo Google).
15.03.1885 - Desliens, que estava afastado do movimento espírita desde 1871, escreve uma carta à Sociedade com a intenção de defender Leymarie.
Segundo ele, Kardec contratou com a Librairie Internationale as três primeiras edições, e, ainda em 1868, autorizou a 4a, 5a. e 6a. E que as matrizes destas três últimas serviram para as edições de 1869 a 187l (período em que ele esteve à frente do negócio) "e em diante". E sugere que Kardec tenha feito as alterações objeto da celeuma nestas placas, uma vez que eram fôrmas de letras soltas. Diz ainda que a última edição de 1868 era idêntica à primeira. (Revista Espírita, 1885). OBS.: Esta última afirmação de Desliens pode, hoje, ser comprovada por qualquer pessoa que se disponha a cotejar as edições de 1868.
Contradições: Segundo fac-simile apresentado pela Léon Denis Gráfica e Editora, do Rio, a 4a. edição é de 1868 e da Librairie Internationale. Segundo notice bibliographique da BNF, a 5a. edição é de 1872 e da Libraire Spirite. Não encontramos outras 5a. e 6a. edições de responsabilidade de Desliens; aliás, não encontramos ainda nenhuma edição entre 1869 e 1871!
xx.xx.1911 - Guillon Ribeiro torna-se espírita, vindo a ocupar a presidência da FEB e a produzir inúmeras traduções, incluindo a Gênese de Kardec, que ele diz ter traduzido a partir do original da QUINTA EDIÇÃO. (Sites brasileiros, encontrados via Google).
É evidente que a tradução de Guillon Ribeiro foi feita após 1911; portanto, no mínimo, 27 anos após as denúncias de Henri Sausse, 38 anos após a publicação da edição que lhe serviu de base, e 41 anos após as alterações objeto das denúncias.
xx.xx.00 - Carlos Brito Imbassahy, espírita brasileiro, refaz, cento e tantos anos depois, o caminho de Henri Sausse: compara a TERCEIRA EDIÇÂO da Gênese francesa, de 1868, com a atual edição brasileira da FEB; constata as diferenças e acusa o tradutor brasileiro, Guillon Ribeiro, de ter feito as alterações. Disponibiliza na internet uma tradução do original da terceira edição ("ao pé da letra", segundo sua advertência) que diz ter em seu poder. (Sites e blogs brasileiros, encontrados via Google).
xx.xx.2007 - A empresa Léon Denis Gráfica e Editora, do Rio, publica uma tradução da Gênese, de Albertina Escudeiro Sêco, afirmando ser baseada na QUARTA EDIÇÂO, de 1868, ainda da Librairie Internationale, da qual exibe fac-simile apenas da folha de rosto. Ousadamente, perpetra uma série de alterações no texto de Kardec, a pretexto de "atualizá-lo". (A Gênese, Léon Denis Gráfica e Editora).
Assim, temos atualmente duas versões da Gênese disponíveis no mercado editorial brasileiro. Uma, baseada na versão francesa fixada desde a quinta edição de 1872, traduzida por Guillon Ribeiro, Herculano Pires, Salvador Gentille, e outros. Outra, baseada na versão de 1868, traduzida e alterada por Albertina Escudeiro Sêco. Além dessas, existe a tradução de Carlos Brito Imbassahy, baseada, segundo ele, na terceira edição, de 1868, e disponibilizada gratuitamente na internet.
Bem, penso que esta linha do tempo absolve o Guillon Ribeiro. Quando as alterações foram feitas, seja por Kardec ou por Leymarie, ele não havia nem nascido. Quando ele fez sua tradução, passados quarenta anos dos fatos, ele só poderia agir como todos os outros tradutores, de todos os idiomas: utilizar a versão definitiva, disponibilizada pelos que ainda detinham seus direitos autorais.
Dispensam absolvição, porque não foram acusados, os demais tradutores brasileiros, bem como os vários editores franceses, que utilizam a versão fixada a partir da quinta edição.
Quando eu publiquei este post a primeira vez, eu disse que "nossas conclusões seriam enormemente facilitadas se fossem disponibilizadas ao público, em fac-simile, digitalizados, os originais da terceira edição (pelo Carlos Imbassahy), da quarta edição (pela LDGE) e da quinta edição (pela FEB)". Vejam como as coisas evoluem rapidamente na web: não precisamos mais disto. O historiador Felipe Gonçalves gentilmente me forneceu cópia da 4a. edição francesa; e, por informação dele, consegui junto ao site do IPEAK - Instituto de Pesquisa Espírita Allan Kardec, a 1a., 3a. e 5a. edições francesas. Tais fac-similes originais fazem referência aos locais onde estão armazenados e disponíveis.
Fiz a pretendida comparação, o cotejo, das edições francesas entre si, e delas com as traduções brasileiras -- de forma completa nos trechos polêmicos; mais rapidamente nos demais capítulos --, e posso afirmar que:
a) as quatro edições de 1868, da Librairie Internationale, tal como disse Desliens, SÃO IDÊNTICAS, o que demonstra que NENHUMA FOI REVISADA POR KARDEC.
b) a tradução do Guillon Ribeiro está rigorosamente fiel à 5a edição francesa de 1872, o que demonstra que ele NÃO É RESPONSÁVEL POR ALTERAÇÃO ALGUMA NA GÊNESE.
Agora, a situação do Leymarie complica um pouco, tendo em vista as inconsistências no depoimento do Desliens, feito 14 anos após os fatos.
A seu favor temos os inúmeros escritos e publicações de Kardec anunciando que preparava várias alterações na Gênese: acréscimos e supressões. Considere-se também o trabalhão que Leymarie teria para fazer todas as alterações no curto espaço de tempo entre o dia 01 de junho de 1871 e o dia do início da impressão, provavelmente já em 1872. Pergunte-se também, qual seria a motivação (o velho "a quem interessaria o crime?") que lhe justificasse tanto trabalho.
O mais provável, que ressalta da presente linha do tempo e da leitura e comparação das edições francesas e traduçoes brasileiras, é que Kardec, após autorizar que Bittard usasse a massa falida da Librairie Internationale para, em fins de 1868, fazer uma quarta edição a toque de caixa e antes mesmo que se esgotassem as demais, reuniu-se com ele e fez as alterações anunciadas diretamente nas matrizes, a fim de imprimir com elas uma quinta edição, definitiva, e já em casa, na Livraria Espírita. A morte, entretanto, interrompeu seus planos, e a natural confusão estabelecida entre esse trágico episódio e a assunção das edições pelo Leymarie, período em que este último segundo Desliens não teve acesso às matrizes, foi suficiente para que esquecessem as alterações, até que o Sausse as identificasse muitos anos depois. Isto só será definitivamente esclarecido se aparecer algum exemplar da suposta 5a. e 6a. edições feitas pelo Desliens: se elas forem iguais à 5a. de 1872, fica provado que a revisão foi feita por Karec; se elas forem iguais às anteriores (1a2a3a4a de 1868), a suspeita volta sobre o Leymarie.
Bem, aí está o resultado de uma pesquisa histórica orientada por princípios científicos. Qualquer pessoa poderá comprovar ou refutar minhas afirmações acessando todo o material correspondente, hoje disponibilizado em bibliotecas e sites, conforme detalhei ao longo do texto.
Evidentemente, tal pesquisa contraria toda a mitologia estabelecida nas redes sociais sobre o assunto. Mas, isto é porque toda essa boataria foi motivada mais por disposições ideológicas do que pela pesquisa e análise racional dos fatos.
A 5a. edição, definitiva, está, em alguns pontos, melhor redigida que as anteriores. Os itens suprimidos não enfraquecem em nada a posição anti-roustainguista deixada clara por Kardec. Tanto é que Guillon e a FEB obrigaram-se a notas de pé de página defendendo suas posições.
domingo, 11 de julho de 2010
A GÊNESE, OS MILAGRES, AS PREDIÇÕES e as espiritices brasilianas...
Saudades do Herculano... Em meados dos anos 70 a FEESP lançou uma tradução do Evangelho Segundo o Espiritismo substituindo algumas palavras usadas pelo autor francês. Por exemplo, como o termo "odiar" é - oh! - muito forte, mudaram para "amar menos"; e outras infantilidades do mesmo nível. Herculano saiu a campo para denunciar tamanha ousadia dos que se julgam melhores que o autor a ponto de acharem que ele foi infeliz na escolha das palavras de sua obra. Ora, escrever é um ato de escolha. Um autor é ou não bem sucedido justamente em função das palavras que escolhe. Isto é escrever! Como alguém pode se arrogar competência para alterar as escolhas de um autor de sucesso, principalmente alguém que não tem sucesso?
Claro que um tradutor também tem uma ampla área de escolha; mas, sempre balizada pelo autor original.
Agora, trinta e tantos anos depois, me deparo com outra dessas. A Léon Denis Gráfica e Editora, do Rio, lança uma tradução da Gênese "atualizando" Kardec: substituindo "léguas" por "quilômetros"; figuras de linguagem bonitas, como "a velocidade do relâmpago", por "velocidade da luz"; e aí afora. E não é, a velocidade do relâmpago, a mesma velocidade da luz? Além do quê, não era usual, na época de Kardec, medir as distâncias em "anos-luz". O pior é o título do capítulo "Uranografia Geral", nome então em moda e escolhido pelo autor, Camile Flammarion, que o atribuiu a Galileu: virou "Astronomia Geral". O "Caráter da Revelação Espírita" vira "Fundamentos da Revelação Espírita"!
A Gênese de Kardec, por transitar na área científica, é a mais pontual de suas obras, a mais datada; cheia de teorias ultrapassadas a respeito da Lua, de Marte, da geração espontânea; daí que seria impossível "atualizá-la" completamente. Ante isto, em grande parte da obra o tradutor ou revisor opta por notas de rodapé, explicando as desatualizações. Ora, por que não fez logo isso em todos os pontos do livro, evitando cair no crime moral de adulterar um autor morto, de desfigurar sua obra e retirá-la de seu contexto histórico e cultural?
Louve-se, claro, a boa intenção da tradutora e da editora em resgatar o texto comprovadamente kardeciano do livro "A Gênese...". De passagem, informamos que Kardec, em vida, providenciou quatro edições da sua Gênese, todas idênticas, feitas com as mesmas matrizes.
Três anos após sua morte, seu sucessor, Leymarie, lança uma 5ª edição "revista, corrigida, aumentada", com enormes diferenças para com as três primeiras. Henri Sausse denuncia o fato em 1884; assunto que abordo em outro artigo. Mas, mesmo sendo elogiável o ato da editora e tradutora em fazer o devido resgate, isto não lhes dá o direito de adulterar a linguagem do autor a pretexto de "atualizá-la"
Claro que um tradutor também tem uma ampla área de escolha; mas, sempre balizada pelo autor original.
Agora, trinta e tantos anos depois, me deparo com outra dessas. A Léon Denis Gráfica e Editora, do Rio, lança uma tradução da Gênese "atualizando" Kardec: substituindo "léguas" por "quilômetros"; figuras de linguagem bonitas, como "a velocidade do relâmpago", por "velocidade da luz"; e aí afora. E não é, a velocidade do relâmpago, a mesma velocidade da luz? Além do quê, não era usual, na época de Kardec, medir as distâncias em "anos-luz". O pior é o título do capítulo "Uranografia Geral", nome então em moda e escolhido pelo autor, Camile Flammarion, que o atribuiu a Galileu: virou "Astronomia Geral". O "Caráter da Revelação Espírita" vira "Fundamentos da Revelação Espírita"!
A Gênese de Kardec, por transitar na área científica, é a mais pontual de suas obras, a mais datada; cheia de teorias ultrapassadas a respeito da Lua, de Marte, da geração espontânea; daí que seria impossível "atualizá-la" completamente. Ante isto, em grande parte da obra o tradutor ou revisor opta por notas de rodapé, explicando as desatualizações. Ora, por que não fez logo isso em todos os pontos do livro, evitando cair no crime moral de adulterar um autor morto, de desfigurar sua obra e retirá-la de seu contexto histórico e cultural?
Louve-se, claro, a boa intenção da tradutora e da editora em resgatar o texto comprovadamente kardeciano do livro "A Gênese...". De passagem, informamos que Kardec, em vida, providenciou quatro edições da sua Gênese, todas idênticas, feitas com as mesmas matrizes.
Três anos após sua morte, seu sucessor, Leymarie, lança uma 5ª edição "revista, corrigida, aumentada", com enormes diferenças para com as três primeiras. Henri Sausse denuncia o fato em 1884; assunto que abordo em outro artigo. Mas, mesmo sendo elogiável o ato da editora e tradutora em fazer o devido resgate, isto não lhes dá o direito de adulterar a linguagem do autor a pretexto de "atualizá-la"
quarta-feira, 23 de junho de 2010
NOVAMENTE A IDENTIDADE CIENTÍFICA
Como eu disse abaixo, alguns argumentos que põem em dúvida o caráter científico do Espiritismo são dignos de atenção.
Na ciência, as pessoas elaboram hipóteses e desenvolvem experimentos para confirmá-las ou rejeitá-las. Se, ao invés de seguir tal procedimento, alguém opta por consultar um ou mais sábios - daqui ou do além - sobre as "verdades" do Universo, está fazendo religião. Ainda se pode alegar que seria válido um cientista interrogar sábios - daqui ou do além - para saber algo sobre o que se desconhece do Universo e, depois, efetuar experimentos para comprovar as informações recebidas. Mas, não é isso, em absoluto, o que acontece no Espiritismo. Interrogamos os sábios do além sobre assuntos da alçada da ciência (Kardec com Galileu; os brasileiros com Emmanuel e André Luis) e partimos para a pregação das respostas como verdades.
Talvez Kardec tenha afirmado que o Espiritismo era ciência porque estava equivocado, prisioneiro dos conceitos científicos do seu século; conceitos, por sua vez, contaminados pelo eurocentrismo, como se pode ver também nas abordagens raciais feitas por ele, pelos médiuns e seus espíritos (Vejam de novo a TAC: https://acrobat.com/#d=kUl6Vrvau2xCTJXzzKTYQA).
No seu aspecto fenomênico, na mediunidade, o Espiritismo teria uma chance de ser ciência. Isto, se os espíritas agissem como em uma ciência; ou seja, se continuassem os experimentos nessa área até a capitulação final, tal como a ciência capitulou em outras revoluções, contra outras certezas: o geocentrismo, a geração espontânea, a relatividade...
Na ciência, as pessoas elaboram hipóteses e desenvolvem experimentos para confirmá-las ou rejeitá-las. Se, ao invés de seguir tal procedimento, alguém opta por consultar um ou mais sábios - daqui ou do além - sobre as "verdades" do Universo, está fazendo religião. Ainda se pode alegar que seria válido um cientista interrogar sábios - daqui ou do além - para saber algo sobre o que se desconhece do Universo e, depois, efetuar experimentos para comprovar as informações recebidas. Mas, não é isso, em absoluto, o que acontece no Espiritismo. Interrogamos os sábios do além sobre assuntos da alçada da ciência (Kardec com Galileu; os brasileiros com Emmanuel e André Luis) e partimos para a pregação das respostas como verdades.
Talvez Kardec tenha afirmado que o Espiritismo era ciência porque estava equivocado, prisioneiro dos conceitos científicos do seu século; conceitos, por sua vez, contaminados pelo eurocentrismo, como se pode ver também nas abordagens raciais feitas por ele, pelos médiuns e seus espíritos (Vejam de novo a TAC: https://acrobat.com/#d=kUl6Vrvau2xCTJXzzKTYQA).
No seu aspecto fenomênico, na mediunidade, o Espiritismo teria uma chance de ser ciência. Isto, se os espíritas agissem como em uma ciência; ou seja, se continuassem os experimentos nessa área até a capitulação final, tal como a ciência capitulou em outras revoluções, contra outras certezas: o geocentrismo, a geração espontânea, a relatividade...
terça-feira, 15 de junho de 2010
INDIVÍDUO - SUBJETIVIDADE - CIÊNCIA - ESPIRITISMO
O monoteísmo representou a emersão do indivíduo.
Juntou, num Deus único e ideado, os elementos simbólicos esparsos nos diversos fenômenos naturais representados pela mente humana.
Foi o momento de auto-identificação do homem, como algo natural mas ao mesmo tempo saído da natureza, em condições de espreitá-la.
A filosofia grega (se isto não for pleonasmo) iniciou a postura que posteriormente Hegel entenderia como a de encarar a natureza mais como testemunha que mestra.
A história, como alquimista, depois de decompor o monoteísmo em três grandes visões do mundo (judaísmo, cristianismo e islamismo), juntou essas quatro mundividências (as três entre parênteses mais a grega), cozinhando-as em fogo brando por quinze séculos, e retirou do caldeirão a subjetividade que gerou a ciência como a conhecemos.
E o Espiritismo é um produto dessa ciência.
Agora, o cozido esfria, exigindo a atenção do aprendiz de feiticeiro.
E o subproduto, o Espiritismo, também...
A ciência exorciza seus mitos de uma natureza harmônica, simétrica, ordenada, lógica e coisa e tal, predispondo-se a assimilar a imperfeição.
E o Espiritismo, continuará insistindo em receber um lugar nessa velha jardineira queimando óleo? Ou assumirá sua vocação de desbravador de novas fronteiras, e começará a contribuir para a construção de uma ciência, ou uma mundividência, para os séculos vindouros?
Talvez o Espiritismo não seja um filho cativo da velha ciência que se esvai com a agonia da ordem e da perfeição. Talvez sejam apenas Kardec e, consequentemente, os kardecistas, escravos de uma era. Talvez Kardec seja apenas o fundador do Espiritismo e, dessa forma, insuperado se este for mais uma religião; mas, irremediavelmente superado se este for realmente ciência, como ele ousou sonhar.
A investida do Ministério Público Federal, da Bahia, (https://acrobat.com/#d=kUl6Vrvau2xCTJXzzKTYQA) evidenciou apenas uma das contaminações da literatura kardeciana pelos preconceitos (e mitos) da ciência do século XIX.
Juntou, num Deus único e ideado, os elementos simbólicos esparsos nos diversos fenômenos naturais representados pela mente humana.
Foi o momento de auto-identificação do homem, como algo natural mas ao mesmo tempo saído da natureza, em condições de espreitá-la.
A filosofia grega (se isto não for pleonasmo) iniciou a postura que posteriormente Hegel entenderia como a de encarar a natureza mais como testemunha que mestra.
A história, como alquimista, depois de decompor o monoteísmo em três grandes visões do mundo (judaísmo, cristianismo e islamismo), juntou essas quatro mundividências (as três entre parênteses mais a grega), cozinhando-as em fogo brando por quinze séculos, e retirou do caldeirão a subjetividade que gerou a ciência como a conhecemos.
E o Espiritismo é um produto dessa ciência.
Agora, o cozido esfria, exigindo a atenção do aprendiz de feiticeiro.
E o subproduto, o Espiritismo, também...
A ciência exorciza seus mitos de uma natureza harmônica, simétrica, ordenada, lógica e coisa e tal, predispondo-se a assimilar a imperfeição.
E o Espiritismo, continuará insistindo em receber um lugar nessa velha jardineira queimando óleo? Ou assumirá sua vocação de desbravador de novas fronteiras, e começará a contribuir para a construção de uma ciência, ou uma mundividência, para os séculos vindouros?
Talvez o Espiritismo não seja um filho cativo da velha ciência que se esvai com a agonia da ordem e da perfeição. Talvez sejam apenas Kardec e, consequentemente, os kardecistas, escravos de uma era. Talvez Kardec seja apenas o fundador do Espiritismo e, dessa forma, insuperado se este for mais uma religião; mas, irremediavelmente superado se este for realmente ciência, como ele ousou sonhar.
A investida do Ministério Público Federal, da Bahia, (https://acrobat.com/#d=kUl6Vrvau2xCTJXzzKTYQA) evidenciou apenas uma das contaminações da literatura kardeciana pelos preconceitos (e mitos) da ciência do século XIX.
sexta-feira, 14 de maio de 2010
OBRA DE ARTE NO PÈRE LACHAISE
O túmulo de Kardec, no Cemitério Père Lachaise, em Paris, é uma obra de arte: um monumento que evoca um dolmen celta, erigido há mais de cem anos. Aliás, todo o cemitério é apinhado de obras de arte em túmulos de pessoas famosas. Tanto é que se trata de uma das atrações turísticas de Paris, tem todo um quadro de guias e recebe várias excursões diárias. Sempre ouvi dizer que o túmulo de Kardec é o segundo mais visitado da cidade: perde apenas para o de Napoleão, cujo corpo descansa à beira do Sena a pedido do próprio. Achava que era ufanismo de espírita. Não é; pude constatar a veracidade do fato. E não tem nada demais. Simplesmente, o cemitério recebe inúmeras caravanas de turistas; os guias, notando a atenção que o de Kardec merece, principalmente de brasileiros, colocam-no no roteiro das caravanas. Claro que ele acaba sendo o mais visitado do cemitério, consequentemente, o segundo de Paris. Fiquei algum tempo ali e presenciei a cena do guia mostrando o túmulo e alegando que nem sabia porque era tão visitado: "talvez a obra de arte, talvez o fato de estar sepultado aqui o fundador do espiritismo". Essa última informação provocava risos nos turistas; mas sempre sobrava uns dois ou três que se deixavam ficar distraídos, por alguns momentos, talvez tentando assimilar a informação. Ah, e fotografavam bastante, também...
Estas fotos que estão aqui foram tiradas pela minha esposa Renate (a não ser, claro, aquela em que ela aparece). A do cabeçalho é da Passage Sainte-Anne, endereço da primeira sociedade espírita do mundo e onde Kardec redigiu suas principais obras.
sexta-feira, 30 de abril de 2010
QUE É ISSO... CUEE?
Mania de siglas. Ainda mais quando dá uma sonoridade destas!
Me lembra a história do Figueiredo, recém eleito, fazendo o cursinho de presidente, levam-no prá visitar eletrobrás, telebrás, petrobrás, e outras mais, e no final ele pergunta qual era aquela, a "emobrás"; ao que os assessores respondem: "não, presidente, aquela era a placa "em obras". Hoje até cairia bem como uma associação dos "emos".
Mas, vamos lá, "CUEE" nada mais é que o Controle Universal do Ensino dos Espíritos, um capítulo do Evangelho Segundo o Espiritismo, mais especificamente, a parte II da Introdução, Autoridade da Doutrina Espírita. Tema que frequentava assiduamente os programas de mocidades e dos centros que iniciavam a sistematização do estudo do espiritismo lá pelos idos dos anos 60, e que hoje a ortodoxia festiva tenta alçar a método de Kardec; sendo que ele é, na verdade, um dos itens do método de Kardec.
Aliás, o menos aplicável, hoje em dia, da forma como o fez Kardec.
Meados do século XIX, o espiritismo nascente, pouquíssimos grupos, ainda controlados, dirigidos e coordenados pelo seu fundador, era possível e relativamente fácil verificar um "controle universal". Logo após o desencarne de Kardec, a verificação da "universalidade" dos conceitos e princípios espíritas ficou precariamente a cargo dos "Congressos", tal como ele o sugerira. Mas, esses congressos existiram até a década de 30 do século XX, quando o espiritismo francês foi extinto e vicejou em todo o mundo uma nova espécie de espiritismo, fruto de uma mutação ocorrida em solo brasileiro no final do século XIX.
Hoje, temos um movimento espírita livre, anárquico, multifacetado, representado por inúmeros grupos, associados ou não. Qual desses grupos seria o responsável pelo "controle"? E como gerar consenso na formação de um grupo específico? Rien de rien! Hoje, cada espírita individualmente, munido das indicações metodológicas de Kardec, observa o universo das produções mediúnicas, e "controla" o que fará ou não parte de suas convicções.
A restauração do CUEE de forma radical é pretendida apenas por clérigos reencarnados que, em seus devaneios ortodoxos, imaginam-se controlando com mãos de ferro um sinédrio espírita ou um novo concilio de cardeais determinando o que é ou não espírita. Tal como já ocorreu no passado com o cristianismo: aquele "controle universal" exercido pelos apóstolos foi desintegrado pela força das cruéis perseguições romanas, e o cristianismo original foi extinto; vicejou, três séculos depois, o catolicismo controlador e autoritário, a bradar: "nós somos o CUEE do Cristo", sem ninguém se desculpando pela terrível cacofonia.
O Método de Kardec é mais amplo. Mais mesmo que o divisado pelo Herculano na Introdução que fez para a edição 1957 do Livro dos Espíritos.
Vamos abordá-lo em postagens próximas; logo após falarmos de uma tentativa frustrada de sistematização do estudo nas mocidades com um programa que se resumia em outra infeliz sigla: o PEDEM.
Me lembra a história do Figueiredo, recém eleito, fazendo o cursinho de presidente, levam-no prá visitar eletrobrás, telebrás, petrobrás, e outras mais, e no final ele pergunta qual era aquela, a "emobrás"; ao que os assessores respondem: "não, presidente, aquela era a placa "em obras". Hoje até cairia bem como uma associação dos "emos".
Mas, vamos lá, "CUEE" nada mais é que o Controle Universal do Ensino dos Espíritos, um capítulo do Evangelho Segundo o Espiritismo, mais especificamente, a parte II da Introdução, Autoridade da Doutrina Espírita. Tema que frequentava assiduamente os programas de mocidades e dos centros que iniciavam a sistematização do estudo do espiritismo lá pelos idos dos anos 60, e que hoje a ortodoxia festiva tenta alçar a método de Kardec; sendo que ele é, na verdade, um dos itens do método de Kardec.
Aliás, o menos aplicável, hoje em dia, da forma como o fez Kardec.
Meados do século XIX, o espiritismo nascente, pouquíssimos grupos, ainda controlados, dirigidos e coordenados pelo seu fundador, era possível e relativamente fácil verificar um "controle universal". Logo após o desencarne de Kardec, a verificação da "universalidade" dos conceitos e princípios espíritas ficou precariamente a cargo dos "Congressos", tal como ele o sugerira. Mas, esses congressos existiram até a década de 30 do século XX, quando o espiritismo francês foi extinto e vicejou em todo o mundo uma nova espécie de espiritismo, fruto de uma mutação ocorrida em solo brasileiro no final do século XIX.
Hoje, temos um movimento espírita livre, anárquico, multifacetado, representado por inúmeros grupos, associados ou não. Qual desses grupos seria o responsável pelo "controle"? E como gerar consenso na formação de um grupo específico? Rien de rien! Hoje, cada espírita individualmente, munido das indicações metodológicas de Kardec, observa o universo das produções mediúnicas, e "controla" o que fará ou não parte de suas convicções.
A restauração do CUEE de forma radical é pretendida apenas por clérigos reencarnados que, em seus devaneios ortodoxos, imaginam-se controlando com mãos de ferro um sinédrio espírita ou um novo concilio de cardeais determinando o que é ou não espírita. Tal como já ocorreu no passado com o cristianismo: aquele "controle universal" exercido pelos apóstolos foi desintegrado pela força das cruéis perseguições romanas, e o cristianismo original foi extinto; vicejou, três séculos depois, o catolicismo controlador e autoritário, a bradar: "nós somos o CUEE do Cristo", sem ninguém se desculpando pela terrível cacofonia.
O Método de Kardec é mais amplo. Mais mesmo que o divisado pelo Herculano na Introdução que fez para a edição 1957 do Livro dos Espíritos.
Vamos abordá-lo em postagens próximas; logo após falarmos de uma tentativa frustrada de sistematização do estudo nas mocidades com um programa que se resumia em outra infeliz sigla: o PEDEM.
quarta-feira, 27 de janeiro de 2010
A PRECE
A prece é o orvalho divino
que aplaca o calor excessivo das paixões.
Avançai,
avançai pelas veredas da prece
e ouvireis as vozes dos anjos.
Que harmonia!
Já não são o ruído confuso
e os sons estrídulos da Terra;
são as liras dos arcanjos;
são as vozes brandas e suaves dos serafins,
mais delicadas do que as brisas matinais,
quando brincam nas folhagens
dos vossos bosques.
Por entre que delícias não caminhareis!
A vossa linguagem não poderá
exprimir essa ventura,
tão rápida entra ela
por todos os vossos poros,
tão vivo e refrigerante é o manancial
em que, orando, se bebe.
(in O Evangelho Segundo o Espiritismo; Cap.XXVII, 23)
que aplaca o calor excessivo das paixões.
Avançai,
avançai pelas veredas da prece
e ouvireis as vozes dos anjos.
Que harmonia!
Já não são o ruído confuso
e os sons estrídulos da Terra;
são as liras dos arcanjos;
são as vozes brandas e suaves dos serafins,
mais delicadas do que as brisas matinais,
quando brincam nas folhagens
dos vossos bosques.
Por entre que delícias não caminhareis!
A vossa linguagem não poderá
exprimir essa ventura,
tão rápida entra ela
por todos os vossos poros,
tão vivo e refrigerante é o manancial
em que, orando, se bebe.
(in O Evangelho Segundo o Espiritismo; Cap.XXVII, 23)
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