domingo, 22 de novembro de 2020

MARX E O ESPIRITISMO

As relações possíveis entre as grandes ideias surgidas no Século XIX que agitaram a humanidade e continuam agitando neste primeiro quarto do Século XXI, principalmente socialismo, espiritismo e evolucionismo, têm sido uma preocupação constante e saudável, de cunho puramente metafísico ou prático, no meio espírita. Desde o empolgante discurso do "Jacozinho"(1), amplamente divulgado nos anos sessenta pelo MUE-Movimento Universitário Espírita -- e que era, na verdade, uma síntese do livro do argentino Humberto Mariotti (2) --, até os dias atuais com as manifestações de médiuns famosos navegando na onda de conservadorismo que assombra o mundo, as relações do socialismo com o espiritismo e o principal personagem histórico daquele, Karl Marx, têm sido objeto de conjecturas, pesquisas e discussões.

Agora, para apimentar ainda mais o debate, surge-nos uma informação diretamente da fonte - o próprio Marx -, sobre o que ele pensava do espiritismo. E não é bom o que este manuscrito nos revela sobre o pensamento de Marx. A informação foi divulgada pelas páginas do Facebook, “Imagens e registros históricos do Espiritismo" e "AllanKardec.online" (3) , dirigidas pelos pesquisadores da historiografia espírita, Carlos Seth Bastos e Adair Ribeiro.

Diz a página: “Um leilão realizado em Paris em 11/12/2018 nos mostra uma carta de Karl Marx endereçada ao Sr. Maurice Lachâtre, ex-sócio de Allan Kardec no Banco de Trocas, de 11/02/1873. Quando comentando sobre a obra de Eugène Sue, conforme a descrição dada no site, entre várias informações, ele diz: "Quant à son dernière œuvre je n'en peux juger parce que je n'en ai eu que la première livraison. Mais il est infecté comme le socialisme français de son époque de sentimentalisme. Il y mêle du spiritisme que je déteste", ou numa tradução livre, "Quanto à sua última obra, não posso julgá-la porque dela só tive um primeiro contato. Mas ela está infestada, como o socialismo francês de sua época, de sentimentalismo. Ela mistura isso ao espiritismo que eu detesto"(4)(4b).

Não é a primeira vez que Marx tenta alcançar com um só dardo essas duas ideias: espiritismo e socialismo utópico. Em seu “O Capital”, Volume I, Seção I, Capítulo I, Item 4, quando discorre sobre o “caráter fetichista da mercadoria e seu segredo” o exemplo escolhido para discorrer sobre a transformação da matéria em mercadoria é a mesa. Talvez por um outro certo fetiche em relação à mesa, assim ele termina o parágrafo: "Ela não só se mantém com os pés no chão, mas põe-se de cabeça para baixo diante de todas as outras mercadorias, e em sua cabeça de madeira nascem minhocas que nos assombram muito mais do que se ela começasse a dançar por vontade própria.” Como se a insinuação às mesas girantes não fosse clara, ele acrescenta uma Nota à quarta edição alemã: "Vale lembrar que a China e as mesas começaram a dançar quando todo o resto do mundo ainda parecia imóvel – pour encourager les autres” [para encorajar os outros]. Não é exagero supor que “os outros encorajados” são os socialistas utópicos. E seu parceiro Engels detalha mais ainda em Nota à Nota: “Após as revoluções de 1848, a Europa entrou num período de reação política. Enquanto nos círculos aristocráticos e burgueses europeus surgiu um entusiasmo pelo espiritismo, particularmente por práticas com o “tabuleiro Ouija”, na China desenvolveu-se um poderoso movimento antifeudal, especialmente entre os camponeses, que ficou conhecido como Rebelião Taiping”(5).

Parece que Marx tinha o socialismo francês ou utópico e o espiritismo como alvos preferidos. Isto se deve às relações entre estas duas ideias. Os autores franceses Aubrée e Laplantine (6) dedicam um capítulo a tais relações. Chegam a dizer que “um é literalmente incompreensível sem o outro”. O próprio Kardec cita, em sua Revista Espírita, diversos socialistas utópicos como “precursores” do espiritismo. Charles Fourier, Jean Reynaud, Eugene Sue, Lammenais, não só são citados como, alguns, comparecem com mensagens psicografadas. Eugene Sue chega a antecipar o existencialismo sartreano, também socialista, com esta frase numa mensagem mediúnica na Revista Espírita de março de 1867: “Para que o mundo esteja em progresso, é preciso que cada um deixe uma lembrança útil de sua personalidade, uma cena a mais nesse número infinito de cenas úteis que os membros da Humanidade deixaram, desde quando a vossa Terra serve de lugar de habitação aos Espíritos"(7).

Os escritos memorialistas de Kardec publicados em Obras Póstumas por Leymarie em 1890 dão um exemplo conhecido da “mistura” entre socialistas e espíritas em torno das mesas girantes e das médiuns famosas de Paris. Trata-se de uma sessão mediúnica ocorrida na casa do Sr. Roustan em 30 de abril de 1856, sendo médium a Srta Japhet, na qual estaria presente um tal Sr. M... Por ser este senhor um ativista político logo cogitaram de que fosse o Karl Marx. Abordei o assunto no meu blog em 2011 e não me foi difícil demonstrar que, segundo os dados históricos conhecidos, tal cogitação não se sustentava (8).

Não seria fácil colocar Marx em Paris naquela data considerando sua agitada trajetória devida às suas atividades teóricas e políticas. Em 1856 Marx morava em Londres, tinha enormes dificuldades para manter-se, a si e a à família, o fazia com a ajuda de seu amigo Engels e com artigos a jornais, além de sofrer enormemente com a saúde abalada, o que dificultaria qualquer viagem, ainda mais para o outro lado do canal. Ele havia sido expulso de Paris em 1845, ainda sob a monarquia; foi viver em Bruxelas, na Bélgica, de onde foi expulso em 1848; voltou à Alemanha de onde foi expulso em 1849; tentou voltar a Paris mas o governo francês, mesmo sendo republicano naquele momento, o impediu de fixar-se ali. Assim, no mesmo ano, com a ajuda de amigos, rumou para o exílio definitivo em Londres. Era, a esta altura, já um líder comunista bastante conhecido, não passaria, portanto, incógnito na Paris de 1856, onde poderia ser até preso pela então ditadura de Napoleão III.

Vejamos um pouco do perfil do Sr. M..., traçado por Kardec: "O Sr. M..., que assistia àquela reunião, era um moço de opiniões radicalíssimas, envolvido nos negócios políticos e obrigado a não se colocar em evidência. Acreditando que se tratava de uma próxima subversão, aprestou-se a tomar parte nela e a combinar planos de reforma. Era, aliás, homem brando e inofensivo". Alguma coisa até poderia bater com Marx; mas nunca o "homem brando e inofensivo". Muito menos seria ele alguém que precisasse de conversa com espíritos para "acreditar em alguma subversão e aprestar-se a tomar parte". Àquela altura, ele e Engels já haviam lançado o manifesto comunista e fundado a Liga dos Comunistas; portanto, eles faziam as subversões, não apenas "tomavam parte nelas". Para completar, na sessão do dia 12 de maio, desta vez na casa do Sr. Baudin, o próprio Espírito Verdade teria dito sobre o Sr. M...: "Muito ruído. Ele tem boas ideias; é homem de ação, mas não é uma cabeça". Marx, por seu lado, era a principal cabeça do socialismo científico que, naquela época e em quase todas as instâncias, substituía o socialismo utópico dos quais muitos adeptos integravam a equipe de Kardec.

Agora, uma nova evidência vem confirmar minha conclusão no blog. Uma carta de Marx para Engels inserida em “Marx Engels Obras Escolhidas”, da Editora Avante, datada em Londres, de 16 de abril de 1856, que também me foi apresentada pelos pesquisadores Adair Ribeiro e Carlos Seth Bastos (9). Na carta ele relata sua presença num banquete relativo ao aniversário de um jornal popular inglês dois dias antes, honrado com convite (enquanto os franceses pagaram entrada) e encarregado do primeiro discurso da festa. Não iria, portanto, sair dali às pressas, para chegar em Paris duas semanas depois, para uma sessão mediúnica da qual sairia afoito para “tomar parte em alguma subversão”.

Além de Marx, seu parceiro Engels também hostiliza o espiritismo. Com mais acidez ainda. Em sua “Dialética da Natureza”, no último capítulo, depois de discorrer sobre o que considera a inutilidade da pesquisa psíquica, chega a dizer, citando Huxley, que o espiritismo é o maior antídoto contra o suicídio, porque o sujeito vai preferir varrer a gare da estação a morrer e ser condenado a dar consultas a um xelim a hora por uma médium.(9b)

Mas o mais interessante é que a associação entre socialismo e espiritismo e o tratamento hostil a essas duas ideias não foi privilégio da esquerda. Podemos encontrá-la também entre o protestantismo liberal/conservador (alguns diriam “reacionário”) americano. Aliás, o primeiro registro existente do emprego do neologismo “espiritismo” (e não o foi no sentido de simples necromancia como alguns sugerem) o associava ao socialismo. Vejamos como os protestantes americanos inauguraram o neologismo “espiritismo” (uma vez que o neologismo “socialismo” já existia há uns dez anos) em sua revista “The Protestant Quarterly”, Vol. X, 1853, editada pela American Protestant Association:
“Por afinidade natural, as variedades de infidelidade estão preparadas para se aglutinar, assim que são postas em contato. Socialismo e espiritismo são homólogos; e pouco importa qual seja a fase da infidelidade, a atração central da descrença superará todos os antagonismos menores, e a infidelidade de todos os matizes e formas será encontrada em concordância cordial sempre que chegar à pedra de toque da verdade revelada. Todos igualmente detestam a palavra e o governo de Deus. Todos igualmente odeiam a santidade e riem da virtude para cometer - e todos visam, com um zelo que não conhece abatimento, a subversão total da família, o sábado, os direitos de propriedade, a igreja, o ministério, a lei, a magistratura, e toda autoridade, rejeitando as restrições que a liberdade exige para sua proteção, e esperando, ansiando e trabalhando por nada tanto quanto pela crise, quando eles podem fazer sua atual oposição organizada a todas as instituições civis e religiosas sobre a estrutura atual da sociedade”(10). A tal “infidelidade” é, evidentemente para com a Bíblia.

Os autores já citados, Aubrèe e Laplantine, lembram muito bem que “Kardec, um burguês liberal, não frequentava pessoalmente este meio socialista”. Aliás, podemos constatar em alguns dos seus escritos sua rejeição ao comunismo. Mas, herdeiro do espiritualismo racional de Victor Cousin (o que se constata pelo subtítulo de O Livro dos Espíritos, “Filosofia Espiritualista”, e pela alta frequência na “codificação” de textos de intelectuais colocados pelos historiadores da filosofia nessa escola), ele “é um aliado natural de todas as causas justas da humanidade”(11). E nos seus textos sobre a propriedade (tanto no Livro dos Espíritos como, principalmente, no Evangelho Segundo o Espiritismo) pode-se notar um contraponto no diálogo entre ele e os espíritos, estes tendendo mais para uma função social da propriedade enquanto aquele lembra a aquisição pelo esforço próprio.

Enfim, este é um assunto amplo que pode ser tratado de diversas maneiras e sob diversos aspectos. Não só a equação, mas cada um de seus membros em separado. Espiritismo é uma palavra com várias acepções e diferentes interpretações para cada acepção. Mesmo o histórico da palavra é complexo. No entanto, nunca faltarão os que defendem a existência de um único conceito e a certeza de que se trata de um assunto tão claro, ao contrário de todos os outros, que dispensa interpretações. O mesmo ocorre com a palavra socialismo. Apesar da existência de várias formas de socialismo – ou várias práticas e teorias que se alojam sob esta denominação --, não faltarão aqueles que defendem a existência de apenas um tipo, geralmente considerado ateu e materialista.

Notas:
(6) “La Table, Le Livre et les Esprits”, Marion Aubrée et François Laplantine, JCLattès, 1990.
(9b) P.S.: Esta citação foi feita aqui de forma resumida e imprecisa porque ela não se encontra disponível na internet e eu estava distante do exemplar físico no momento da postagem.
Agora posso melhor detalhá-la:
"A Dialética da Natureza", Friedrich Engels, Editora Paz e Terra S/A, 3ª edição, 1979, São Paulo. E a íntegra do último parágrafo da obra é: "E assim, se vê obrigado o empirismo a refutar os importunos visionários espíritas, não por meio de experiências empíricas, mas sim apoiando-se em considerações teóricas e dizendo, com Huxley: 'A única coisa boa que consigo ver na demonstração da verdade do espiritismo é que ele fornece um argumento mais contra o recurso ao suicídio. É melhor viver como um varredor de rua do que morrer e ser obrigado a dizer tolices através de um médium que recebe um guinéu por sessão!"
(10) A revista relacionava vários “ismos” como sinal do fim dos tempos. Abordando desde Hydesville até a movimentação em torno dos fenômenos que ocorria nos Estados Unidos da época, chegaram ao neologismo “spiritism” partindo de “spirit rapper”. Outras obras repercutiram os argumentos utilizados por esta revista contra o espiritismo, bem como o neologismo, todas elas dentro do mesmo contexto, como se tivessem copiado ou nela se inspirado:
- “Spirit Rapping Unveiled”, Reverendo Hiram Mattison, 1853.
- “The Spirit Rapper. An Autobiography”, Orestes Augustus Brownson, 1854.
- “Apocastasis or Progress Backwards”, Leonardo Marsh (Um Vermont), editado em Burlington por Chauncey Goodrich, 1854

 

 

 
 

   


segunda-feira, 2 de novembro de 2020

PREFÁCIO À TRADUÇÃO PORTUGUESA DE "O LIVRO DOS ESPÍRITOS", inserido na Terceira Edição, de Abril de 2018.

   Na observação da História costumamos dar mais atenção às revoluções violentas, abruptas, distraindo-nos, amiúde, em relação àquelas despretensiosas, quase invisíveis, que desenrolam seus efeitos lentamente ao longo do tempo, quebrando velhos paradigmas e erigindo novos. 
  Ousamos dizer que o presente livro, lançado em sua primeira versão no dia 18 de abril de 1857, representa uma dessas revoluções silenciosas: a Revolução do Espírito. Pois os fatos, também demonstrados pela História, estão a nos dizer que durante muitos séculos, milênios mesmo, a ênfase dos interesses humanos foi, ao menos pretensamente, direcionada a Deus. Era um paradigma teocrático, que gerava um Estado teocrático, sustentado por uma poderosa instituição sacerdotal, com sua hierarquia sólida, seus ritos mágicos e sua capacidade de sugestão controlando as massas. O comportamento era subordinado à suposta vontade divina e, a adoração, aos seus desejos. E, muito sangue foi derramado pelas religiões em nome da Divindade. 
  Depois, com a evolução humana, chegamos ao mundo moderno, no qual a filosofia universalizou-se e foi construída uma ciência baseada na dúvida, na observação, na pesquisa e experimentação, mas, principalmente, na ausência do medo de pensar. Construiu-se, assim, o paradigma humanista, onde a ênfase é retirada da Divindade e passa a ser dada ao Homem, suas necessidades, seus direitos, suas aspirações e suas destinações. E, novamente, muito sangue foi derramado pelas revoluções em nome da Humanidade. 
  Com este livro, e a consequente elaboração de uma nova mundividência, podemos enxergar no horizonte a emersão de um novo paradigma, onde a ênfase que já foi exclusiva da Divindade e, depois do Homem, transcende o imediato e passa a ser dada ao Espírito, ou seja, à nossa individualidade que sobrevive à extinção do corpo físico. Esperamos, pelas próprias características desta revolução e, com um pedido de desculpas pela irreverência da comparação, que nenhum sangue venha a ser derramado em prol da Espiritualidade ou de suas possíveis interpretações. 
  Neste novo paradigma, a própria Teologia deixa de ser dependente da crença, tornando-se um conhecimento conseguido pela razão, onde se retira de Deus suas conformações antropomórficas para redesenhá-lo em nossas mentes e em nossos corações através dos atributos que consigamos lhe conferir.  A Cosmologia não é mais ditada pela mitologia, mas construída a partir do método experimental das Ciências, tão falível quanto perfectível.  A Psicologia passa a contemplar um ser interexistente, que existia antes do próprio nascimento, existe durante a vida e, continua a existir após a morte, retornando à História quantas vezes necessárias para o seu pleno desenvolvimento e progresso; além de manter constante comunicação entre as diferentes etapas da existência permanente.  A Sociedade deixa de ser concebida como resultado da simples soma dos esforços das várias gerações, e passa a ser entendida como o resultado da sinergia entre essas diversas gerações, pois que, elas não mais apenas se sucedem, como também convivem, ainda que em situações existenciais diferentes. E as angústias do homem quanto ao seu futuro, quanto às penas e gozos que eventualmente o esperem após a passagem solitária pela morte, são-lhe delineadas pelo testemunho mesmo dos que se foram, através do mecanismo da mediunidade, experimentado e testado sob os rigores da observação científica.   Este é o novo paradigma que o presente livro e as obras subsequentes que o completam está construindo. O Paradigma do Espírito, da imortalidade, da responsabilidade individual pelos próprios atos e, da multiplicação ao infinito das oportunidades de correção e progresso. 
  Com este caráter e destinação, "O Livro dos Espíritos" mereceu várias traduções em diferentes idiomas, permitindo a extensão de sua influência a diversos povos e países. Aos falantes da língua de Camões (última flor colhida no canteiro da latinidade, parodiando os poetas), têm sido oferecidas, até então, traduções feitas por brasileiros. Traduções bem esmeradas; elegantes umas, simples e práticas outras. Porém, agora, somos brindados com uma tradução feita diretamente para o português europeu, enriquecendo a bibliografia espírita com uma versão na expressão genuína de um idioma que, por estender-se em vasto território, de quatro continentes, não poderia deixar de gerar suas diferenças regionais. 
  Mas, não é somente neste ineditismo que se assentam as qualidades da presente tradução. Existem outras; e, para falarmos delas, é mister que teçamos algumas considerações sobre os rumos tomados pelo Espiritismo em sua história. Apesar de ser um movimento de ideias que apela constantemente à razão, ao bom senso, à pesquisa e à experimentação, o Espiritismo não logrou livrar-se das imperfeições daqueles que tomaram para si a tarefa de levá-lo ao conhecimento de todos os agrupamentos humanos. Allan Kardec deixou um roteiro seguro para que os novos conhecimentos científicos ou as novas informações porventura transmitidas pelos Espíritos passassem a compor com segurança o rol dos fundamentos doutrinários. Foi o método que ele próprio usou e que detalhou na Introdução de uma de suas Obras, "O Evangelho Segundo o Espiritismo", chamando-o de "Controle Universal do Ensino dos Espíritos". Entretanto, seus continuadores negligenciaram o método, e o Espiritismo começou a sofrer desde os primórdios, logo após o desencarne do Mestre, de enxertias místicas tributárias de velhos atavismos religiosos. E tal misticismo, ressurgido das profundezas do inconsciente coletivo das massas, agregou-se de tal modo às práticas espíritas que até hoje influencia as opiniões de seus adeptos, ainda que de forma subjacente e de difícil conscientização, gerando toda uma literatura e um conjunto de crenças, quase sempre incompatíveis com a simplicidade e pureza dos princípios originais identificados pelo fundador do movimento. 
  É precisamente neste ponto que ressaltam as qualidades da presente tradução. Por um lado, há a preocupação com a linguagem. A língua é uma substância viva, em evolução permanente, gerando novos falares, alterando significados, sempre ao sabor dos acontecimentos fortuitos vividos pela coletividade dos falantes dos diferentes idiomas. Os tradutores investiram seu "engenho e arte" na apreensão dos significados contextualizados no momento do surgimento da obra, traduzindo-os, o mais fielmente possível, não somente para outro idioma, mas, também, para outra época. Além disso, enriqueceram a edição com preciosas Notas, nas quais são trazidas, para ampliar a compreensão da obra, tanto informações valiosas sobre novas descobertas ou conceituações científicas, quanto conjeturas de cunho interpretativo e esclarecedor, seja da própria lavra dos tradutores, seja garimpada na contribuição de diversos outros pensadores espíritas. Em sua busca pela fidelidade ao pensamento do autor, pela simplicidade na exposição do conteúdo, e pelas Notas referidas, os tradutores conseguiram construir um texto que contribui, sem dúvida nenhuma, para o retorno do próprio pensamento espírita às suas origens racionais e sóbrias, dignas de um movimento científico e filosófico. 
  Eis a tradução que ora se coloca à disposição não apenas dos portugueses, mas de todos os habitantes do oceano lusófono. Uma tradução viva, no dizer dos próprios autores. Uma contribuição valiosa para a compreensão do Espiritismo conforme o pensamento do seu fundador. Oxalá, sirva de exemplo para outros trabalhadores desta promissora seara.

Texto inserido como "Palavras de Acolhimento" na tradução de "O Livro dos Espíritos", de José da Costa Brites e Maria da Conceição Brites.