O Espiritismo é um conhecimento novo; não se enquadra nas classificações estanques de ciência, filosofia ou religião. Daí que nunca chegarão a um acordo discutindo sua identidade presos a essas classificações. Ele quebra paradigmas; e cria novos. A compreensão de sua identidade deve se dar por conjecturas novas, em novas bases, a serem, talvez, ainda construídas.
A ciência é uma criação humana, resultante das conjecturas que constroem o instrumental metodológico (feita pelos que se dizem "filósofos") e do trabalho dos que usam tais instrumentais (e que se dizem "cientistas").
Ela é tão humana e falível, que estudos científicos, produzidos dentro de universidades, com supervisores e bancas, e publicados em revistas científicas do nível da Nature, chegam a resultados conflitantes.
Kardec insistia em que o Espiritismo fosse ciência porque era um pensador típico do século XIX; época de ingenuidade, em que se endeusava a ciência, pois ela não havia ainda passado por uma crítica mais amadurecida.
Hoje, podemos afirmar que o Espiritismo não é, não deve ser e não precisa ser ciência. Pode ser, sim, metaciência: algo para além da ciência e que tem métodos e conhecimentos suficientes para fazer a mais contundente crítica que a ciência jamais admitiu.
Daí certos embates irreconciliáveis que assistimos entre céticos (que, porém, são "crentões" na ciência) contra espíritas.
Não passa, muitas vezes, da defesa de um mercado ameçado: o "científico"!
quinta-feira, 30 de julho de 2009
sábado, 25 de julho de 2009
O MITO DAS TRADUÇÕES DO HERCULANO (II)
O comentário que fiz há dias sobre as traduções do Heculano, exige uma correção.
A tradução de O Céu e o Inferno ali referida é, na verdade, atribuída a ele e ao João Teixeira de Paula. Como não há divisão de responsabilidades explicitada, atribuí a ambos a evidente suspeita de "colação" com a tradução do Guillon Ribeiro. Porém, informaram-me (se bem que sem declinação clara da fonte) que o Herculano traduziu apenas até o caso Jean Reynaud, no Capítulo II, ficando o restante a cargo do João Teixeira de Paula. Só que, o João, sei lá, talvez, na pressa da impressão, outra tradução prontinha no mercado... sei lá...
A tradução de O Céu e o Inferno ali referida é, na verdade, atribuída a ele e ao João Teixeira de Paula. Como não há divisão de responsabilidades explicitada, atribuí a ambos a evidente suspeita de "colação" com a tradução do Guillon Ribeiro. Porém, informaram-me (se bem que sem declinação clara da fonte) que o Herculano traduziu apenas até o caso Jean Reynaud, no Capítulo II, ficando o restante a cargo do João Teixeira de Paula. Só que, o João, sei lá, talvez, na pressa da impressão, outra tradução prontinha no mercado... sei lá...
segunda-feira, 13 de julho de 2009
O DISCURSO DE MIGUEL VIVES
Foi solicitado ao autor de O Tesouro dos Espíritas que discorresse, no já referido Congresso Internacional Espírita, em Barcelona, 1888, sobre o tema As tendências do Espiritismo em sua parte moral. Aí vai a tradução livre do seu discurso. Um testemunho afetivo e sincero desse expoente do Espiritismo. Alguns poderão achá-lo excessivamente sentimental e, por certo, criticarão a postura de submissão ao establishment. Mas, vale lembrar que era exatamente esse o espírito opressor da época em muitos lugares da Europa e, principalmente na Espanha, onde os cidadãos eram súditos, e não havia direitos básicos como acesso à terra e a trabalho livre (meu avô costumava dizer que migrou para o Brasil por causa disso). Para aproximar um pouco mais o discurso de nossa época, servi-me da faculdade traidora de todo tradutor e passei a forma de tratamento para a terceira pessoa, mais usual entre nós.
"Senhores Delegados,
Antes de tudo, permitam-me manifestar minha gratidão a Deus, que criou o espaço infinito e o povoou de sóis, de mundos, de satélites, de cometas e de maravilhas sem fim; onde a ordem, a harmonia e a previsão são a expressão viva da onipotência do Criador e a admiração de todos os seres pensantes que povoam o universo.
Permitam-me manifestar meu reconhecimento a ele pelo Eu que sinto em mim mesmo, que tenho certeza de ver progredir eternamente, que sempre encontrará novas manhãs, novos dias, novas famílias, novos espaços, novos progressos, novas virtudes e que, no caminho do infinito, aperfeiçoará todas as faculdades, até atingir ao mais alto degrau da perfeição.
Permitam-me admirar ainda o poder divino que vejo se manifestar nos atos que realizamos. Ah! Senhores, há já longos anos, quando proclamaram a Revelação, que pronunciaram a palavra Espiritismo, o mundo nos recebeu com uma gargalhada; e vendo que não podia nos aniquilar nem nos impedir de pronunciar essa palavra, nos cobria de ridículo e de desprezo, e lançava contra nós a perseguição moral que nos separa da sociedade e da família; chegaram a nos tratar como loucos.
Mas a opinião pública (tão poderosa quando se trata de romper cadeias e estabelecer os princípios da liberdade), quando se opõe à lei do progresso e à palavra de Deus, de início se agita, logo se cala, depois se deixa convencer; e o que era em princípio uma grande loucura, se torna enfim uma suprema verdade que vem regenerar todo o mundo.
Uma vez pago meu tributo de reconhecimento a Deus, a meu Pai, a meu Tudo, eu vou me acertar com meus irmãos.
Vejo em torno de nós, Senhores Delegados, vários espíritas notáveis.
Vejo os filhos da França representados na pessoa ilustre do Senhor Leymarie. Eu o saúdo, assim como todos os seus correligionários, filhos da pátria de Victor Hugo, de Thiers e de Gambetta; os filhos dessa pátria que, após sofrimentos e evoluções, levanta sua liberdade sobre o pedestal das liberdades européias; ela é hoje a esperança de todos os oprimidos do velho mundo.
Eu saúdo os filhos da pátria de Bellini. Os filhos dessa pátria cujas artes e harmonia têm preenchido o mundo; que tem elevado os sentimentos de todos graças às suas belas melodias. Os filhos que sofreram durante tantos séculos sob o jugo teocrático; que viram guilhotinar sua liberdade com a sentença de Tonetti, mas que mais tarde realizaram sua unidade, e como símbolo da liberdade de consciência elevaram a estátua de Giordano Bruno em face mesmo do Capitólio.
Eu saúdo também, e admiro ainda mais, os filhos das terras de Além-Mar, insignes apóstolos da abnegação e do sacrifício. Esses homens que, ao apelo dos espíritas espanhóis, se empenharam de seguir, sem medo dos perigos da viagem, o caminho traçado por Colombo no Oceano. Eu lhes asseguro que o sacrifício ficará gravado na memória de Deus, e lhes será uma grande consolação na hora suprema de sua transformação.
Tendo feito meu dever, vou agora cumprir a obrigação que me impus, ainda que superior às minhas forças, e que consiste em desenvolver diante dos senhores: As tendências do Espiritismo em sua parte moral.
Ah! Senhores, se eu pudesse compreender e revelar-lhes as impressões e alegrias que se apoderam do espírito desde seu arrependimento até à crença numa vida melhor; se eu pudesse fazer-lhes compreender a esperança e o gozo que sente o espírito quando, convencido de sua imortalidade, penetra nas ciências psíquicas e vê desenrolar-se diante de si essa sucessão de mundos e de maravilhas que o espírito deverá encontrar durante sua ascensão progressiva. Se eu me cresse digno, eu pediria aos espíritos puros do espaço que clareassem minha inteligência; se me cresse digno, eu pediria ao espírito que sofreu no Calvário, que iluminasse por um instante minha razão, como iluminou os mártires do cristianismo. Mas, não o ouso, porque sou indigno de tal honra. Tenho apenas confiança na lei de amor, que reina no espaço, e na boa-vontade dos senhores, que não me recusarão, pois sabem que em mim não fala nem o talento, nem a sabedoria, mas a convicção e o amor.
Quais são as tendências do Espiritismo? É de levantar aquele que está abatido; de fazer crer aquele que duvida; de dar as mais grandes consolações e as mais supremas esperanças; ele tende a transformar os vícios em virtudes, o egoísmo em caridade, o desespero em tranquilidade; ele tende a obter para a humanidade a mais grande tolerância, por fundir todas as escolas e todas a religiões nos grandes princípios da existência de Deus, da imortalidade da alma, do progresso infinito e da reencarnação.
A existência de Deus e a imortalidade da alma têm sido os princípios fundamentais de todas as religiões. Sobre esses dois pontos elas têm estabelecido seus dogmas, sua teologia e seu poder. Mas, é triste dizê-lo, após tantos séculos de dominação teocrática, a humanidade está mais cética do que nunca. E sabem por quê? Porque as religiões têm sempre imposto e jamais demonstrado; daí porque a fé cega está perdida, não restando senão a fé especulativa. Ora, o Espiritismo não vem impor esses dois princípios, mas sim, demonstrá-los.
Sabem como ele prova a existência de Deus e a imortalidade da alma? É por meio da comunicação com os que já viveram sobre a terra. Mas, infelizmente, Senhores, essa comunicação que nos tem dado tantas consolações, que nos tem revelado tantas verdades, que nos tem explicado tudo o que até então era mistério, que tem sido a testemunha ocular de nossos pais, de nossos filhos, de todos aqueles que desapareceram da face do globo, essa comunicação tem sido recebida no XIXo. Século como foram acolhidas em sua época os cálculos de Colombo, os trabalhos de Gutemberg, as descobertas de Galileu e as deduções de Newton.
E por quê? Porque a comunicação nos tem dito que Sócrates, Platão, Aristóteles e Plutarco vivem ainda. Porque ela nos diz que todas as raças que lutaram afastadas pela barbárie e pela cobiça foram sujeitadas à lei da perfeição e do progresso infinito. Por que ela nos diz que todos os heróis, todos os mártires, todos os grandes, assim como todos os criminosos, estão vivos; que João Huss, Savonarole, Geronimo de Praga, ressuscitaram das cinzas das fogueiras do Santo Ofício; que Guilherme Tell, Riego, Padilha e todos os mártires da liberdade existem ainda. Assim como Franklin, Copérnico e todos os mártires da ciência; assim como Joana D'Arc, Washington, Lincoln, Masini, Gambetta, Victor Hugo, Garibaldi, Prim e todos aqueles que existiram durante o curso das gerações sucessivas, que viveram sobre a terra e sobre todos os mundos.
A humanidade pensa que os que viveram antes de nós não se comunicam mais. Ela crê que as comunicações são uma ilusão de nossa imaginação exaltada, um resultado do fanatismo da nossa escola, ainda que se contem milhões de espíritas. Ah! Senhores, é preciso confessar que, ou bem a tolice na qual a humanidade crê é uma sublime verdade, ou uma grande parte da humanidade é realmente louca.
Mas a mim me parece que a maneira de raciocinar dos espíritas não é nem loucura, nem fanatismo, nem ilusão; parece-me que a loucura, o fanatismo ou a ilusão, não poderiam trazer uma nova moral, uma nova revelação, uma nova ciência. Por isso eu afirmo que a comunicação dos espíritos que vivem no espaço conosco que vivemos sobre a terra é uma verdade demonstrada somente pelo Espiritismo e o afirmo diante de vós, professores, doutores ilustres e médicos distintos que me ouvem neste Congresso. Afirmo e estou seguro que nenhum dos senhores irão me desmentir; estou seguro que, com toda sua sabedoria, não negarão minhas afirmações. Como poderiam refutá-las? Que eram os senhores, que era eu mesmo, e que eram todos os que não esperam nada além da matéria? Que eram os senhores, antes de conhecer a comunicação? Um ajuntamento de materiais sujeitos ao acaso: ora se lançavam ao infinito, para tornar a cair daí a pouco no abismo sem poder explicar os acontecimentos nem definir as circunstâncias. Que seria o amor de suas esposas e de seus filhos? Que significariam todos os esforços, todos os sacrifícios, todos os trabalhos empreendidos por aqueles que nos têm precedido durante a vida? Que significaria a caridade praticada por São Vicente de Paula? As orações de Tereza d'Ávila? Que significariam as lágrimas vertidas na via dolorosa, e as sublimes palavras: "Pai, perdoa-os; não sabem o que fazem"? Que significariam os sacrifícios feitos pelas mulheres arrastadas através das ruas de Roma e pelos mártires imolados nos circos, sob as fogueiras e sob o machado do carrasco? Que significariam a inspiração de Demóstenes, de Cícero e do Apostolo Paulo? Que significariam a arte de Murilo, de Rafael, de Michelângelo; as melodias de Mercadente, Rossini e Donizetti; o gênio de Cervantes, Lamartine e Victor Hugo, se tudo devesse se perder, se tudo devesse desaparecer, se a mesma recompensa alcançasse o mártir e o criminoso, se tudo devesse ser a tragédia fatal cuja vítima seria a humanidade inteira?
Mas, já sabem, Senhores, que não há virtude sem recompensa, nem vício sem repressão. Sabem já que a imortalidade está demonstrada, e que a comunicação com os seres que nos precederam é um fato prático; sabem que a comunicação é altamente moralizadora, e que ela é o testemunho de todas as verdades da revelação espírita. Isto porque todos os sacrifícios, todos os heróis e todos os mártires obedecem a uma lei de progresso e de perfeição necessária ao desenvolvimento da humanidade. Eu me rejubilo de poder afirmar diante dos sábios reunidos nesta Assembléia, diante dos professores, dos doutores e dos médicos -- porque não se pode dizer que o Espiritismo recruta seus adeptos entre os ignorantes facilmente enganados, se vemos, em nosso meio, espíritos que agem com todo conhecimento de causa , e que falam em nome da ciência e da revelação --, e eu asseguro que, no XIXo. século, se um grande filósofo se tivesse levantado para reformar o mundo e não tivesse provado sua filosofia por fatos extraordinários, ele seria morto antes de nascer.
Eu lhes disse, senhores, que gostaria de demonstrar as tendências do Espiritismo em sua parte moral; permitam que me ocupe um pouco de mim mesmo e lhes conte dois episódios da minha vida, terríveis golpes, que se passaram muito claramente.
Há 22 anos eu vivia em plena lua de mel, tudo sorria à minha volta. A mulher que eu havia escolhido como companheira da minha vida não era para mim uma mulher, mas um anjo. A vida se desenrolava feliz e, jamais eu pensaria que essa felicidade pudesse se interromper. Mas, infelizmente, a mulher que eu tanto amava foi acometida de uma doença terrível; toda a minha alegria se evapora num momento; pois jamais eu acreditaria que pudesse perdê-la para sempre. A doença tomou proporções alarmantes; apelei à ciência em socorro, apelei a tudo que podia para salvá-la, mas tudo foi inútil. Seu olhar tão expressivo, tornou-se fraco, indeciso; seus lábios róseos se descoloriram; seu corpo tão flexível, torna-se rígido. O coração cessa de bater e todas as minhas esperanças, toda a minha alegria, todo o meu amor se transforma, pois com a morte do corpo, não resta senão um cadáver.
Ah! Senhores, como foi grande meu desespero. Maldisse tudo que me cercava, e para que ninguém visse meu desgosto, fugi para o campo, chorando amargamente. Tudo estava morto para mim. Enquanto eu chorava e me desesperava, os pássaros enchiam o ar com seus cantos. Virei-me para eles e disse: "Por que cantam? Não sabem que perdi toda minha esperança e todo meu amor? Não sabem que meu coração é um deserto, e vivo como um moribundo? Seus cantos são uma zombaria. E você, rouxinol, por que me faz ouvir seus sons modulados? Não sabe que o ninho mesmo que você acaricia é uma ficção? E vocês, vales, que parecem túmulos da humanidade; e você, Sol, que me abrasa, que ilumina tal drama, por que não acaba logo com esse dia cheio de males?" Uma horrível tempestade se desencadeia então no espaço; vendo os raios lívidos e ouvindo o ressoar dos trovões, me parecia que aquela trovoada era justa, que era bom que chegasse.
Permaneci longo tempo presa das mais cruéis recordações, dos mais tristes pressentimentos, que se esvaneceram após minha conversão ao Espiritismo; conversão que não vos detalharei, pois sabem o que se sente, o que se passa. Direi somente que há seis anos eu tinha, de minha segunda esposa, um filho encantador, com nove anos de idade (para os pais, as crianças são todas gentis). Ele me acariciava seguidamente e me abraçava com uma ternura toda particular, dizendo: "Pai, quando você for velho, eu lhe darei de comer e o levarei a passear, como faz hoje comigo". Deixo-os a pensar no que sentia minha alma. Mas, infelizmente, uma terrível doença teimava em meu filho; seu corpo vivo e gracioso enfraquecia; seu olhar antes tão pleno de viva expressão, tornava-se lânguido, indeciso. Socorri-me, então, nas verdades espíritas; lembrei que meu filho não morria e, sim, renascia; e, enquanto ele dava o último suspiro, eu via a tranquilidade da sua nova vida, seu progresso novo. Disse, então, aos que me cercavam: "no relógio terrestre soa a última hora da vida de um corpo, mas o relógio do espaço marca a primeira da existência de um espírito. Meu filho não morre, ele se transforma; e brilhará logo mais no mundo dos espíritos: Respeitemos a vontade de Deus".
Logo, uma angústia se apodera de mim: que posição ocupará meu filho no mundo espiritual? Irá ele sofrer por alguma falta de suas existências passadas? Não, eu dizia a mim mesmo: "seu filho era bom; ele amava muito os pobres e era sempre o primeiro a pedir por eles". Então, pedi a Deus que me permitisse saber o estado do meu filho; pedi ao meu filho uma prova de sua posição. Mas eu desejava uma prova extraordinária, definitiva. Ela não se fez esperar. Numa das reuniões que vamos todo domingo, meu filho se manifestou, e o fez de uma maneira muito particular, dando tantas provas que a família o reconheceu bem antes que ele desse seu nome. Aquele espírito me chamou "pai", deu-me provas de um grande e puro amor, descobriu-me as belezas da criação e da natureza de uma maneira que eu jamais sentira. Sua posição estava tranquila, elevada, plena de paz e alegria. É impossível transmitir ao senhores a imensa alegria que se apoderou de mim. E a todas as mães que perderam seus filhos, eu diria: não chorem mais, porque seus filhos não estão mortos; eles vivem no infinito. A todos os filhos que perderam seus pais, eu diria: não chorem mais, porque seus pais vivem a vida eterna. Minha casa tornara-se pequena para conter minha alegria; eu precisava render graças a Deus no meio da imensidão. Dirigi-me então para o campo. Elevava minha prece ao grande Criador, e manifestava minha gratidão ao Pai de Todo o Universo. Enquanto meu coração reconhecido se elevava a Deus, os pássaros cantavam. Ouvindo-os, eu me lembrava de outra ocasião, quando eu os havia severamente repreendido. E lhes disse: "cantem, queridos pássaros, cantem! seus acordes são uma eterna harmonia que se une às belezas da criação; cante, ó rouxinol, pois o ninho que acaricia já não é uma ficção, mas uma manifestação da vida infinita em suas múltiplas transformações; e vocês, vales, que me pareciam de outra feita os futuros túmulos da humanidade, hoje os vejo como lugar onde se desenvolve a vida de uma multidão de seres, o lugar onde eles crescem, se agitam e se desenvolvem; e você, Sol, que ilumina um sistema de mundos, você é a testemunha da onipotência divina, e eu o bendigo". Enquanto eu assim me entregava à alegria da contemplação da criação, eu vi ao longe um arco-íris que começava a empalidecer: era o arco-íris de uma terrível tempestade!
Crêem, Senhores, que essa comunicação dos pais com seus filhos, e dos filhos com seus pais, não se produzirá em todas as classes sociais? Crêem que a humanidade repelirá sempre as investigações dessas comunicações espirituais que trazem tantas consolações?
Não, Senhores. A comunicação chegará aos grandes da terra, e lhes dirá: é verdade que os senhores têm o poder; mas, infelizmente, desgraçados serão, se em lugar de serem protetores, transformarem-se em carrascos; desgraçados serão se fizerem correr o sangue! porque na hora suprema de sua transformação, encontrarão os que oprimiram; o sangue derramado os cercará, e não encontrarão no espaço lugar algum para esconderem seu horror e sua vergonha. Se, ao contrário, forem o que devem ser; se considerarem que acima de nós se encontra o Autor da lei; se amarem, protegerem e tratarem como devem seus súditos, serão grandes sobre a terra e no espaço, e na hora suprema de sua transformação seus subordinados aclamarão e darão a vocês conhecimento de sua satisfação e alegria.
A comunicação ensinará e provará à dama aristocrática que é preciso não somente adornar seu corpo, mas também seu espírito; lhe mostrará que o ser que não pensa senão em si mesmo é o mais pobre no reino de Deus.
A comunicação dirá aos ricos: é bem verdade que os senhores possuem o poder do ouro; mas, infelizes serão se não servirem aos semelhantes; infelizes serão se esquecerem os mandamentos sublimes: ame teu próximo! Infelizes serão se olharem somente para si mesmos; porque estarão presos às correntes que tiverem forjado! E quando chegar a hora da transformação, seu espírito não encontrará nenhuma voz amiga, nenhuma palavra de consolação, nenhuma esperança, e ele ficará perdido no espaço infinito, cercado das mais espessas trevas. Mas, se tiverem em vista o bem geral, se lembrarem da solidariedade e da proteção mútua, se aliviarem e consolarem seus semelhantes, se suas riquezas visarem um fim útil ao progresso humano, então o reconhecimento será seu patrimônio no mundo futuro; seu espírito será aclamado e cercado de espíritos amigos, e compreenderão o quanto estiveram trabalhando para si mesmos, enquanto praticando sobre a terra a justiça e o amor!
A comunicação se manifestará aos oprimidos e aos infelizes; lhes fará grandes promessas; lhes abrirá o caminho do esquecimento e da esperança, e lhes dirá: Bem aventurados os que sofrem e têm fome e sede de justiça; lhes mostrará as liberdades que esperam no reino dos céus os que foram oprimidos sobre a terra, e as angústias reservadas aos opressores; a esperança e a resignação penetrarão, então, em seus corações, e eles sofrerão com calma os tormentos da vida.
Isto que lhes digo, Senhores é um fato prático, e para o provar acrescentarei algo ao nosso Congresso: tenho a honra de representar uma sociedades espírita formada por 32 condenados, que sofrem e purgam suas condenações.
(O orador pega uma carta e a lê).
"Senhor D. Miguel Vives, muito caro irmão.
"Nós agradecemos suas exortações e nos sentimos imensamente felizes ao sabermos que um Congresso internacional espírita se vai celebrar; lamentamos vivamente não podermos tomar parte; tal coisa nos é impossível; mas nós lhe suplicamos de se digne a nos representar e proclamar em pleno congresso que 32 indivíduos, outrora criminosos, hoje se arrependem e perdoam seus inimigos, e sonham retornar à vida livre para demonstrar a mudança que neles produziu o Espiritismo.
"Não pensamos senão em nossa própria reforma moral, e na da humanidade.
"Trinta e dois condenados os saúdam, e desejam a proteção de Deus."
PRISÃO DE TARRAGONA.
Isto foi escrito por 32 criminosos que haviam perdido qualquer consciência; 32 homens que odiavam a sociedade, porque eles se consideravam como estando completamente sós, abandonados de todos, e crendo haver perdido as últimas considerações sociais. Pobres irmãos! Eles tiveram, no entanto, uma mãe que os embalara, que os amara e cobrira de beijos no envolvimento do amor maternal... Depois de lutarem na vida durante longos anos, eles chegaram a esse terrível estado, onde sofrem ao mesmo tempo a punição da justiça e o desprezo de todos.
A comunicação com os espíritos manifestou-se a eles; ela lhes fez ouvir uma voz amorosa que veio reavivar-lhes as esperanças perdidas; eles procuraram os livros e brochuras espíritas, estudaram, fizeram pesquisas, e, enfim, se convenceram de que existe um meio com a ajuda do qual as portas do progresso são abertas a todos; com a ajuda do qual o criminoso pode tornar-se um ser perfeito, graças ao arrependimento e à prática do bem, que prova que o nobre operário é eterno, como a vida e os espaços são eternos; eles creram, enfim, que a lei que dirige e domina o universo é o amor.
O Espiritismo demonstrou-lhes tais fatos de uma maneira tão clara que esses homens se prostraram ante a grandeza de Deus; ante a magnitude daquilo que os espera; diante do progresso e da vida eterna prometida pelo Espiritismo, demonstrada pela comunicação dos espíritos mortos e dos espíritos vivos. E esses homens que tinham tudo perdido, se encontraram no meio da grandeza onde o Pai espera sempre o filho pródigo; eles encontraram uma grande família que ama todos os seus irmãos, que se rege pela lei do amor. Esses homens que odiavam tudo, perdoam agora, amam e esperam, suportam com resignação sua prisão, e aguardam somente o momento de poderem provar que, de criminosos, tornaram-se apóstolos da verdade, da moral e do amor.
Creio ter mostrado aos Senhores as tendências do Espiritismo em sua parte moral; mas para dar ainda mais um prova, acrescentarei: quando chegar para mim o derradeiro momento da vida material, não direi um adeus eterno; abraçarei minha esposa e minha filha e lhes direi: até logo!
Não me resta mais do que felicitar os Senhores pelo maravilhoso resultado do seu trabalho, e acrescentar: se um dia meus irmãos da Itália me chamarem, eu irei à Itália; se forem os da França, irei à França; atravessarei mesmo os mares para atender a um chamado dos meus correligionários, e creio que os Senhores fariam o mesmo para dar uma prova que os espíritos têm por pátria o mundo inteiro, e por família a humanidade inteira.
Tenho dito.
( Miguel Vives, Presidente da Federação Espírita de Vallés, e vice-presidente da comissão organizadora do Congresso).
"Senhores Delegados,
Antes de tudo, permitam-me manifestar minha gratidão a Deus, que criou o espaço infinito e o povoou de sóis, de mundos, de satélites, de cometas e de maravilhas sem fim; onde a ordem, a harmonia e a previsão são a expressão viva da onipotência do Criador e a admiração de todos os seres pensantes que povoam o universo.
Permitam-me manifestar meu reconhecimento a ele pelo Eu que sinto em mim mesmo, que tenho certeza de ver progredir eternamente, que sempre encontrará novas manhãs, novos dias, novas famílias, novos espaços, novos progressos, novas virtudes e que, no caminho do infinito, aperfeiçoará todas as faculdades, até atingir ao mais alto degrau da perfeição.
Permitam-me admirar ainda o poder divino que vejo se manifestar nos atos que realizamos. Ah! Senhores, há já longos anos, quando proclamaram a Revelação, que pronunciaram a palavra Espiritismo, o mundo nos recebeu com uma gargalhada; e vendo que não podia nos aniquilar nem nos impedir de pronunciar essa palavra, nos cobria de ridículo e de desprezo, e lançava contra nós a perseguição moral que nos separa da sociedade e da família; chegaram a nos tratar como loucos.
Mas a opinião pública (tão poderosa quando se trata de romper cadeias e estabelecer os princípios da liberdade), quando se opõe à lei do progresso e à palavra de Deus, de início se agita, logo se cala, depois se deixa convencer; e o que era em princípio uma grande loucura, se torna enfim uma suprema verdade que vem regenerar todo o mundo.
Uma vez pago meu tributo de reconhecimento a Deus, a meu Pai, a meu Tudo, eu vou me acertar com meus irmãos.
Vejo em torno de nós, Senhores Delegados, vários espíritas notáveis.
Vejo os filhos da França representados na pessoa ilustre do Senhor Leymarie. Eu o saúdo, assim como todos os seus correligionários, filhos da pátria de Victor Hugo, de Thiers e de Gambetta; os filhos dessa pátria que, após sofrimentos e evoluções, levanta sua liberdade sobre o pedestal das liberdades européias; ela é hoje a esperança de todos os oprimidos do velho mundo.
Eu saúdo os filhos da pátria de Bellini. Os filhos dessa pátria cujas artes e harmonia têm preenchido o mundo; que tem elevado os sentimentos de todos graças às suas belas melodias. Os filhos que sofreram durante tantos séculos sob o jugo teocrático; que viram guilhotinar sua liberdade com a sentença de Tonetti, mas que mais tarde realizaram sua unidade, e como símbolo da liberdade de consciência elevaram a estátua de Giordano Bruno em face mesmo do Capitólio.
Eu saúdo também, e admiro ainda mais, os filhos das terras de Além-Mar, insignes apóstolos da abnegação e do sacrifício. Esses homens que, ao apelo dos espíritas espanhóis, se empenharam de seguir, sem medo dos perigos da viagem, o caminho traçado por Colombo no Oceano. Eu lhes asseguro que o sacrifício ficará gravado na memória de Deus, e lhes será uma grande consolação na hora suprema de sua transformação.
Tendo feito meu dever, vou agora cumprir a obrigação que me impus, ainda que superior às minhas forças, e que consiste em desenvolver diante dos senhores: As tendências do Espiritismo em sua parte moral.
Ah! Senhores, se eu pudesse compreender e revelar-lhes as impressões e alegrias que se apoderam do espírito desde seu arrependimento até à crença numa vida melhor; se eu pudesse fazer-lhes compreender a esperança e o gozo que sente o espírito quando, convencido de sua imortalidade, penetra nas ciências psíquicas e vê desenrolar-se diante de si essa sucessão de mundos e de maravilhas que o espírito deverá encontrar durante sua ascensão progressiva. Se eu me cresse digno, eu pediria aos espíritos puros do espaço que clareassem minha inteligência; se me cresse digno, eu pediria ao espírito que sofreu no Calvário, que iluminasse por um instante minha razão, como iluminou os mártires do cristianismo. Mas, não o ouso, porque sou indigno de tal honra. Tenho apenas confiança na lei de amor, que reina no espaço, e na boa-vontade dos senhores, que não me recusarão, pois sabem que em mim não fala nem o talento, nem a sabedoria, mas a convicção e o amor.
Quais são as tendências do Espiritismo? É de levantar aquele que está abatido; de fazer crer aquele que duvida; de dar as mais grandes consolações e as mais supremas esperanças; ele tende a transformar os vícios em virtudes, o egoísmo em caridade, o desespero em tranquilidade; ele tende a obter para a humanidade a mais grande tolerância, por fundir todas as escolas e todas a religiões nos grandes princípios da existência de Deus, da imortalidade da alma, do progresso infinito e da reencarnação.
A existência de Deus e a imortalidade da alma têm sido os princípios fundamentais de todas as religiões. Sobre esses dois pontos elas têm estabelecido seus dogmas, sua teologia e seu poder. Mas, é triste dizê-lo, após tantos séculos de dominação teocrática, a humanidade está mais cética do que nunca. E sabem por quê? Porque as religiões têm sempre imposto e jamais demonstrado; daí porque a fé cega está perdida, não restando senão a fé especulativa. Ora, o Espiritismo não vem impor esses dois princípios, mas sim, demonstrá-los.
Sabem como ele prova a existência de Deus e a imortalidade da alma? É por meio da comunicação com os que já viveram sobre a terra. Mas, infelizmente, Senhores, essa comunicação que nos tem dado tantas consolações, que nos tem revelado tantas verdades, que nos tem explicado tudo o que até então era mistério, que tem sido a testemunha ocular de nossos pais, de nossos filhos, de todos aqueles que desapareceram da face do globo, essa comunicação tem sido recebida no XIXo. Século como foram acolhidas em sua época os cálculos de Colombo, os trabalhos de Gutemberg, as descobertas de Galileu e as deduções de Newton.
E por quê? Porque a comunicação nos tem dito que Sócrates, Platão, Aristóteles e Plutarco vivem ainda. Porque ela nos diz que todas as raças que lutaram afastadas pela barbárie e pela cobiça foram sujeitadas à lei da perfeição e do progresso infinito. Por que ela nos diz que todos os heróis, todos os mártires, todos os grandes, assim como todos os criminosos, estão vivos; que João Huss, Savonarole, Geronimo de Praga, ressuscitaram das cinzas das fogueiras do Santo Ofício; que Guilherme Tell, Riego, Padilha e todos os mártires da liberdade existem ainda. Assim como Franklin, Copérnico e todos os mártires da ciência; assim como Joana D'Arc, Washington, Lincoln, Masini, Gambetta, Victor Hugo, Garibaldi, Prim e todos aqueles que existiram durante o curso das gerações sucessivas, que viveram sobre a terra e sobre todos os mundos.
A humanidade pensa que os que viveram antes de nós não se comunicam mais. Ela crê que as comunicações são uma ilusão de nossa imaginação exaltada, um resultado do fanatismo da nossa escola, ainda que se contem milhões de espíritas. Ah! Senhores, é preciso confessar que, ou bem a tolice na qual a humanidade crê é uma sublime verdade, ou uma grande parte da humanidade é realmente louca.
Mas a mim me parece que a maneira de raciocinar dos espíritas não é nem loucura, nem fanatismo, nem ilusão; parece-me que a loucura, o fanatismo ou a ilusão, não poderiam trazer uma nova moral, uma nova revelação, uma nova ciência. Por isso eu afirmo que a comunicação dos espíritos que vivem no espaço conosco que vivemos sobre a terra é uma verdade demonstrada somente pelo Espiritismo e o afirmo diante de vós, professores, doutores ilustres e médicos distintos que me ouvem neste Congresso. Afirmo e estou seguro que nenhum dos senhores irão me desmentir; estou seguro que, com toda sua sabedoria, não negarão minhas afirmações. Como poderiam refutá-las? Que eram os senhores, que era eu mesmo, e que eram todos os que não esperam nada além da matéria? Que eram os senhores, antes de conhecer a comunicação? Um ajuntamento de materiais sujeitos ao acaso: ora se lançavam ao infinito, para tornar a cair daí a pouco no abismo sem poder explicar os acontecimentos nem definir as circunstâncias. Que seria o amor de suas esposas e de seus filhos? Que significariam todos os esforços, todos os sacrifícios, todos os trabalhos empreendidos por aqueles que nos têm precedido durante a vida? Que significaria a caridade praticada por São Vicente de Paula? As orações de Tereza d'Ávila? Que significariam as lágrimas vertidas na via dolorosa, e as sublimes palavras: "Pai, perdoa-os; não sabem o que fazem"? Que significariam os sacrifícios feitos pelas mulheres arrastadas através das ruas de Roma e pelos mártires imolados nos circos, sob as fogueiras e sob o machado do carrasco? Que significariam a inspiração de Demóstenes, de Cícero e do Apostolo Paulo? Que significariam a arte de Murilo, de Rafael, de Michelângelo; as melodias de Mercadente, Rossini e Donizetti; o gênio de Cervantes, Lamartine e Victor Hugo, se tudo devesse se perder, se tudo devesse desaparecer, se a mesma recompensa alcançasse o mártir e o criminoso, se tudo devesse ser a tragédia fatal cuja vítima seria a humanidade inteira?
Mas, já sabem, Senhores, que não há virtude sem recompensa, nem vício sem repressão. Sabem já que a imortalidade está demonstrada, e que a comunicação com os seres que nos precederam é um fato prático; sabem que a comunicação é altamente moralizadora, e que ela é o testemunho de todas as verdades da revelação espírita. Isto porque todos os sacrifícios, todos os heróis e todos os mártires obedecem a uma lei de progresso e de perfeição necessária ao desenvolvimento da humanidade. Eu me rejubilo de poder afirmar diante dos sábios reunidos nesta Assembléia, diante dos professores, dos doutores e dos médicos -- porque não se pode dizer que o Espiritismo recruta seus adeptos entre os ignorantes facilmente enganados, se vemos, em nosso meio, espíritos que agem com todo conhecimento de causa , e que falam em nome da ciência e da revelação --, e eu asseguro que, no XIXo. século, se um grande filósofo se tivesse levantado para reformar o mundo e não tivesse provado sua filosofia por fatos extraordinários, ele seria morto antes de nascer.
Eu lhes disse, senhores, que gostaria de demonstrar as tendências do Espiritismo em sua parte moral; permitam que me ocupe um pouco de mim mesmo e lhes conte dois episódios da minha vida, terríveis golpes, que se passaram muito claramente.
Há 22 anos eu vivia em plena lua de mel, tudo sorria à minha volta. A mulher que eu havia escolhido como companheira da minha vida não era para mim uma mulher, mas um anjo. A vida se desenrolava feliz e, jamais eu pensaria que essa felicidade pudesse se interromper. Mas, infelizmente, a mulher que eu tanto amava foi acometida de uma doença terrível; toda a minha alegria se evapora num momento; pois jamais eu acreditaria que pudesse perdê-la para sempre. A doença tomou proporções alarmantes; apelei à ciência em socorro, apelei a tudo que podia para salvá-la, mas tudo foi inútil. Seu olhar tão expressivo, tornou-se fraco, indeciso; seus lábios róseos se descoloriram; seu corpo tão flexível, torna-se rígido. O coração cessa de bater e todas as minhas esperanças, toda a minha alegria, todo o meu amor se transforma, pois com a morte do corpo, não resta senão um cadáver.
Ah! Senhores, como foi grande meu desespero. Maldisse tudo que me cercava, e para que ninguém visse meu desgosto, fugi para o campo, chorando amargamente. Tudo estava morto para mim. Enquanto eu chorava e me desesperava, os pássaros enchiam o ar com seus cantos. Virei-me para eles e disse: "Por que cantam? Não sabem que perdi toda minha esperança e todo meu amor? Não sabem que meu coração é um deserto, e vivo como um moribundo? Seus cantos são uma zombaria. E você, rouxinol, por que me faz ouvir seus sons modulados? Não sabe que o ninho mesmo que você acaricia é uma ficção? E vocês, vales, que parecem túmulos da humanidade; e você, Sol, que me abrasa, que ilumina tal drama, por que não acaba logo com esse dia cheio de males?" Uma horrível tempestade se desencadeia então no espaço; vendo os raios lívidos e ouvindo o ressoar dos trovões, me parecia que aquela trovoada era justa, que era bom que chegasse.
Permaneci longo tempo presa das mais cruéis recordações, dos mais tristes pressentimentos, que se esvaneceram após minha conversão ao Espiritismo; conversão que não vos detalharei, pois sabem o que se sente, o que se passa. Direi somente que há seis anos eu tinha, de minha segunda esposa, um filho encantador, com nove anos de idade (para os pais, as crianças são todas gentis). Ele me acariciava seguidamente e me abraçava com uma ternura toda particular, dizendo: "Pai, quando você for velho, eu lhe darei de comer e o levarei a passear, como faz hoje comigo". Deixo-os a pensar no que sentia minha alma. Mas, infelizmente, uma terrível doença teimava em meu filho; seu corpo vivo e gracioso enfraquecia; seu olhar antes tão pleno de viva expressão, tornava-se lânguido, indeciso. Socorri-me, então, nas verdades espíritas; lembrei que meu filho não morria e, sim, renascia; e, enquanto ele dava o último suspiro, eu via a tranquilidade da sua nova vida, seu progresso novo. Disse, então, aos que me cercavam: "no relógio terrestre soa a última hora da vida de um corpo, mas o relógio do espaço marca a primeira da existência de um espírito. Meu filho não morre, ele se transforma; e brilhará logo mais no mundo dos espíritos: Respeitemos a vontade de Deus".
Logo, uma angústia se apodera de mim: que posição ocupará meu filho no mundo espiritual? Irá ele sofrer por alguma falta de suas existências passadas? Não, eu dizia a mim mesmo: "seu filho era bom; ele amava muito os pobres e era sempre o primeiro a pedir por eles". Então, pedi a Deus que me permitisse saber o estado do meu filho; pedi ao meu filho uma prova de sua posição. Mas eu desejava uma prova extraordinária, definitiva. Ela não se fez esperar. Numa das reuniões que vamos todo domingo, meu filho se manifestou, e o fez de uma maneira muito particular, dando tantas provas que a família o reconheceu bem antes que ele desse seu nome. Aquele espírito me chamou "pai", deu-me provas de um grande e puro amor, descobriu-me as belezas da criação e da natureza de uma maneira que eu jamais sentira. Sua posição estava tranquila, elevada, plena de paz e alegria. É impossível transmitir ao senhores a imensa alegria que se apoderou de mim. E a todas as mães que perderam seus filhos, eu diria: não chorem mais, porque seus filhos não estão mortos; eles vivem no infinito. A todos os filhos que perderam seus pais, eu diria: não chorem mais, porque seus pais vivem a vida eterna. Minha casa tornara-se pequena para conter minha alegria; eu precisava render graças a Deus no meio da imensidão. Dirigi-me então para o campo. Elevava minha prece ao grande Criador, e manifestava minha gratidão ao Pai de Todo o Universo. Enquanto meu coração reconhecido se elevava a Deus, os pássaros cantavam. Ouvindo-os, eu me lembrava de outra ocasião, quando eu os havia severamente repreendido. E lhes disse: "cantem, queridos pássaros, cantem! seus acordes são uma eterna harmonia que se une às belezas da criação; cante, ó rouxinol, pois o ninho que acaricia já não é uma ficção, mas uma manifestação da vida infinita em suas múltiplas transformações; e vocês, vales, que me pareciam de outra feita os futuros túmulos da humanidade, hoje os vejo como lugar onde se desenvolve a vida de uma multidão de seres, o lugar onde eles crescem, se agitam e se desenvolvem; e você, Sol, que ilumina um sistema de mundos, você é a testemunha da onipotência divina, e eu o bendigo". Enquanto eu assim me entregava à alegria da contemplação da criação, eu vi ao longe um arco-íris que começava a empalidecer: era o arco-íris de uma terrível tempestade!
Crêem, Senhores, que essa comunicação dos pais com seus filhos, e dos filhos com seus pais, não se produzirá em todas as classes sociais? Crêem que a humanidade repelirá sempre as investigações dessas comunicações espirituais que trazem tantas consolações?
Não, Senhores. A comunicação chegará aos grandes da terra, e lhes dirá: é verdade que os senhores têm o poder; mas, infelizmente, desgraçados serão, se em lugar de serem protetores, transformarem-se em carrascos; desgraçados serão se fizerem correr o sangue! porque na hora suprema de sua transformação, encontrarão os que oprimiram; o sangue derramado os cercará, e não encontrarão no espaço lugar algum para esconderem seu horror e sua vergonha. Se, ao contrário, forem o que devem ser; se considerarem que acima de nós se encontra o Autor da lei; se amarem, protegerem e tratarem como devem seus súditos, serão grandes sobre a terra e no espaço, e na hora suprema de sua transformação seus subordinados aclamarão e darão a vocês conhecimento de sua satisfação e alegria.
A comunicação ensinará e provará à dama aristocrática que é preciso não somente adornar seu corpo, mas também seu espírito; lhe mostrará que o ser que não pensa senão em si mesmo é o mais pobre no reino de Deus.
A comunicação dirá aos ricos: é bem verdade que os senhores possuem o poder do ouro; mas, infelizes serão se não servirem aos semelhantes; infelizes serão se esquecerem os mandamentos sublimes: ame teu próximo! Infelizes serão se olharem somente para si mesmos; porque estarão presos às correntes que tiverem forjado! E quando chegar a hora da transformação, seu espírito não encontrará nenhuma voz amiga, nenhuma palavra de consolação, nenhuma esperança, e ele ficará perdido no espaço infinito, cercado das mais espessas trevas. Mas, se tiverem em vista o bem geral, se lembrarem da solidariedade e da proteção mútua, se aliviarem e consolarem seus semelhantes, se suas riquezas visarem um fim útil ao progresso humano, então o reconhecimento será seu patrimônio no mundo futuro; seu espírito será aclamado e cercado de espíritos amigos, e compreenderão o quanto estiveram trabalhando para si mesmos, enquanto praticando sobre a terra a justiça e o amor!
A comunicação se manifestará aos oprimidos e aos infelizes; lhes fará grandes promessas; lhes abrirá o caminho do esquecimento e da esperança, e lhes dirá: Bem aventurados os que sofrem e têm fome e sede de justiça; lhes mostrará as liberdades que esperam no reino dos céus os que foram oprimidos sobre a terra, e as angústias reservadas aos opressores; a esperança e a resignação penetrarão, então, em seus corações, e eles sofrerão com calma os tormentos da vida.
Isto que lhes digo, Senhores é um fato prático, e para o provar acrescentarei algo ao nosso Congresso: tenho a honra de representar uma sociedades espírita formada por 32 condenados, que sofrem e purgam suas condenações.
(O orador pega uma carta e a lê).
"Senhor D. Miguel Vives, muito caro irmão.
"Nós agradecemos suas exortações e nos sentimos imensamente felizes ao sabermos que um Congresso internacional espírita se vai celebrar; lamentamos vivamente não podermos tomar parte; tal coisa nos é impossível; mas nós lhe suplicamos de se digne a nos representar e proclamar em pleno congresso que 32 indivíduos, outrora criminosos, hoje se arrependem e perdoam seus inimigos, e sonham retornar à vida livre para demonstrar a mudança que neles produziu o Espiritismo.
"Não pensamos senão em nossa própria reforma moral, e na da humanidade.
"Trinta e dois condenados os saúdam, e desejam a proteção de Deus."
PRISÃO DE TARRAGONA.
Isto foi escrito por 32 criminosos que haviam perdido qualquer consciência; 32 homens que odiavam a sociedade, porque eles se consideravam como estando completamente sós, abandonados de todos, e crendo haver perdido as últimas considerações sociais. Pobres irmãos! Eles tiveram, no entanto, uma mãe que os embalara, que os amara e cobrira de beijos no envolvimento do amor maternal... Depois de lutarem na vida durante longos anos, eles chegaram a esse terrível estado, onde sofrem ao mesmo tempo a punição da justiça e o desprezo de todos.
A comunicação com os espíritos manifestou-se a eles; ela lhes fez ouvir uma voz amorosa que veio reavivar-lhes as esperanças perdidas; eles procuraram os livros e brochuras espíritas, estudaram, fizeram pesquisas, e, enfim, se convenceram de que existe um meio com a ajuda do qual as portas do progresso são abertas a todos; com a ajuda do qual o criminoso pode tornar-se um ser perfeito, graças ao arrependimento e à prática do bem, que prova que o nobre operário é eterno, como a vida e os espaços são eternos; eles creram, enfim, que a lei que dirige e domina o universo é o amor.
O Espiritismo demonstrou-lhes tais fatos de uma maneira tão clara que esses homens se prostraram ante a grandeza de Deus; ante a magnitude daquilo que os espera; diante do progresso e da vida eterna prometida pelo Espiritismo, demonstrada pela comunicação dos espíritos mortos e dos espíritos vivos. E esses homens que tinham tudo perdido, se encontraram no meio da grandeza onde o Pai espera sempre o filho pródigo; eles encontraram uma grande família que ama todos os seus irmãos, que se rege pela lei do amor. Esses homens que odiavam tudo, perdoam agora, amam e esperam, suportam com resignação sua prisão, e aguardam somente o momento de poderem provar que, de criminosos, tornaram-se apóstolos da verdade, da moral e do amor.
Creio ter mostrado aos Senhores as tendências do Espiritismo em sua parte moral; mas para dar ainda mais um prova, acrescentarei: quando chegar para mim o derradeiro momento da vida material, não direi um adeus eterno; abraçarei minha esposa e minha filha e lhes direi: até logo!
Não me resta mais do que felicitar os Senhores pelo maravilhoso resultado do seu trabalho, e acrescentar: se um dia meus irmãos da Itália me chamarem, eu irei à Itália; se forem os da França, irei à França; atravessarei mesmo os mares para atender a um chamado dos meus correligionários, e creio que os Senhores fariam o mesmo para dar uma prova que os espíritos têm por pátria o mundo inteiro, e por família a humanidade inteira.
Tenho dito.
( Miguel Vives, Presidente da Federação Espírita de Vallés, e vice-presidente da comissão organizadora do Congresso).
quinta-feira, 2 de julho de 2009
A CRÍTICA DA REVUE AO MEB
O Espiritismo não "surgiu religioso" no Brasil. Luiz Olympio Telles de Menezes até poderia ser relacionado entre os "espíritas científicos". Tanto é que, em termos de religião, continuou de bom grado católico como sempre fora. O Espiritismo tornou-se "religioso" no Rio de Janeiro, bem pertinho do final do século XIX, sob a liderança do Bezerra de Menezes e, em consequencia de uma certa "seleção natural", conforme eu disse na "postagem" anterior.
Então, por que a Revue disse o que disse em dezembro de 1869, quando recebeu O Echo d'Além Túmulo, do Olympio, lançado em setembro daquele ano?
"A introdução e a análise que o Sr. Luiz Oyimpio faz, da maneira pela qual os Espíritos nos revelaram a sua existência, parecem-nos bastante satisfatórias. Outras passagens, referindo-se especialmente à questão religiosa, dão-nos ocasião para algumas reflexões críticas. Para nós, o Espiritismo não deve tender para nenhuma forma religiosa determinada. Ele é e deve permanecer como uma filosofia tolerante e progressiva, abrindo seus braços a todos os deserdados, qualquer que seja a nacionalidade e a convicção a que pertençam. Não ignoramos que o caráter e a crença daqueles a quem se dirige "O Echo d'Além Túmulo" devem levar o Sr. Luiz Olympio a contornar certas suscetibilidades. Mas acreditamos, por experiência, que a melhor maneira de conciliar todos os interesses consiste em evitar as questões que cada um deve resolver em sua própria consciência, e empenhar-se em popularizar os grandes ensinamentos que encontram eco simpático em todos os corações chamados ao batismo da regeneração e ao progresso infinito."
Quanto deve, o Luiz Olympio, ter-se sentido injustiçado ante tal comentário. Pois, afinal, ele agira direitinho pela cartilha de Kardec. Este, se rejubilava em ter como membros de sua sociedade, espíritas de todas as confissões religiosas: católicos, protestantes, muçulmanos. E reiterava que o Espiritismo era o principal aliado das religiões, pois fortalecia a fé, dando explicações racionais ao que antes se cria por tradição.
O que os redatores da Revue, sucessores de Kardec, ignoravam, era o contexto histórico na Bahia. O Arcebispo da Bahia, D. Manuel Joaquim da Silveira, ante o progresso alcançado por Olympio e seus amigos na divulgação do espiritismo, lançara, em 16.6.1867, uma pastoral condenando veementemente o Espiritismo, porque, segundo ele, contrariava os dogmas católicos como a ressurreição e o destino definido dos mortos. Olympio contra-argumentava que o Espiritismo corrigia os dogmas católicos, e que a Igreja muito se beneficiaria se o incorporasse num lance de atualização e progresso. Isso tudo, claro, fudamentando-se na Biblia, afinal, a base sobre a qual se apoiava o Arcebispo. Ora, prá quem vê de fora, parece que o Olympio queria atrelar o Espiritismo nascente ao catolicismo. Daí, a alusão à "questão religiosa", que alguns apressadinhos tomam como uma crítica ao "religiosismo" , coisa ainda inexistente naquele momento.
Então, por que a Revue disse o que disse em dezembro de 1869, quando recebeu O Echo d'Além Túmulo, do Olympio, lançado em setembro daquele ano?
"A introdução e a análise que o Sr. Luiz Oyimpio faz, da maneira pela qual os Espíritos nos revelaram a sua existência, parecem-nos bastante satisfatórias. Outras passagens, referindo-se especialmente à questão religiosa, dão-nos ocasião para algumas reflexões críticas. Para nós, o Espiritismo não deve tender para nenhuma forma religiosa determinada. Ele é e deve permanecer como uma filosofia tolerante e progressiva, abrindo seus braços a todos os deserdados, qualquer que seja a nacionalidade e a convicção a que pertençam. Não ignoramos que o caráter e a crença daqueles a quem se dirige "O Echo d'Além Túmulo" devem levar o Sr. Luiz Olympio a contornar certas suscetibilidades. Mas acreditamos, por experiência, que a melhor maneira de conciliar todos os interesses consiste em evitar as questões que cada um deve resolver em sua própria consciência, e empenhar-se em popularizar os grandes ensinamentos que encontram eco simpático em todos os corações chamados ao batismo da regeneração e ao progresso infinito."
Quanto deve, o Luiz Olympio, ter-se sentido injustiçado ante tal comentário. Pois, afinal, ele agira direitinho pela cartilha de Kardec. Este, se rejubilava em ter como membros de sua sociedade, espíritas de todas as confissões religiosas: católicos, protestantes, muçulmanos. E reiterava que o Espiritismo era o principal aliado das religiões, pois fortalecia a fé, dando explicações racionais ao que antes se cria por tradição.
O que os redatores da Revue, sucessores de Kardec, ignoravam, era o contexto histórico na Bahia. O Arcebispo da Bahia, D. Manuel Joaquim da Silveira, ante o progresso alcançado por Olympio e seus amigos na divulgação do espiritismo, lançara, em 16.6.1867, uma pastoral condenando veementemente o Espiritismo, porque, segundo ele, contrariava os dogmas católicos como a ressurreição e o destino definido dos mortos. Olympio contra-argumentava que o Espiritismo corrigia os dogmas católicos, e que a Igreja muito se beneficiaria se o incorporasse num lance de atualização e progresso. Isso tudo, claro, fudamentando-se na Biblia, afinal, a base sobre a qual se apoiava o Arcebispo. Ora, prá quem vê de fora, parece que o Olympio queria atrelar o Espiritismo nascente ao catolicismo. Daí, a alusão à "questão religiosa", que alguns apressadinhos tomam como uma crítica ao "religiosismo" , coisa ainda inexistente naquele momento.
quarta-feira, 1 de julho de 2009
CIÊNCIA OU RELIGIÃO?
Os trabalhos acadêmicos que pretendem responder a essa questão sobre a identidade do Espiritismo, ao menos os produzidos no Brasil, são de um reducionismo lamentável: o espiritismo era científico na França e tornou-se religioso no Brasil. Pronto; é isso aí; dêem-me a nota do mestrado!
Ora... ora...
Não interpretaram o que leram de Kardec, e não leram nada sobre o espiritismo na Europa depois dele.
A verdade que ressalta de uma observação inteligente é que Kardec foi ambíguo.
Em sua convicção de que o Espiritismo aliaria religião e ciência, ele acabou justificando o surgimento dos dois segmentos: o espiritismo científico e o espiritismo religioso.
Basta ler sua obra toda, apreendendo o conjunto do seu pensamento. Não apenas selecionando o que interessa para a defesa de sua tese: seja tese acadêmica, ou seja tese nas lutas internas do movimento espírita. Leia-se tanto suas afirmações reiteradas de que o espiritismo é ciência, quanto suas concessões no Evangelho Segundo o Espiritismo; mas, principalmente, seu discurso publicado na Revue em dezembro de 1868.
E leia-se, também, na elaboração das teses, o que se produziu na Europa após Kardec e até o encerramento da fase européia do espiritismo. (O espiritismo morreu na Europa em 1934, após o último congresso em Barcelona e pouco antes da ancien europe diluir-se na luta contra o fascismo; apesar de que só foi sepultado na década de 70, quando André Dumas, herdeiro de todos os produtos kardecistas, mudou o nome da Revue Spirite para Renaitre 2000). Leia-se livros, pesquisas, teses e anais de congressos; hoje isto tudo está disponível na internet, quer seja para telechargement, quer seja em ofertas em sebos.
Essa leitura permitiria ao acadêmico conhecer os discursos piegas e as alusões a Roustaing nos Congressos; conhecer as tentativas de equacionamento da questão com a sugestão da religião laica; conhecer um Jean Meyer, mecenas e herdeiro da Revue, que manteve o movimento espírita na França por várias décadas, dando-lhe um direcionamento assistencialista e religioso. Conhecer, finalmente, a opinião do Conan Doyle em 1928 sobre o futuro religioso do espiritismo.
A morte do espiritismo científico e a sobrevivência do espiritismo religioso deveu-se, simplesmente, a uma lei de seleção natural (no caso, na epistemologia, porém equivalente àquela da biologia: é só fazer as necessárias analogias - assim, se não for verdade, ao menos rima, ou seja, se non è vero è piu trovato).
E qual foi a mudança no ambiente (ambiente intelectual, claro) que provocou o desaparecimento do espíritismo científico?
Emergiram, no oceano do conhecimento humano, as pesquisas do inconsciente, trazendo para o meio científico explicações muito mais convincentes para os fenômenos mediúnicos, do que as explicações espíritas. Ante a aceitação de uma nova teoria e prática albergada sob o nome de psicologia -- palavra até então utilizada para a designação de uma disciplina filosófica, e que passa a designar uma ciência --, o espiritismo foi perdendo todas as esperanças de ser aceito como ciência. Consequentemente, sua vertente científica extinguiu-se. Já a vertente religiosa, conseguindo não só aparar como revidar os golpes dados na área do conhecimento em que transitava (a religião), sobreviveu e multiplicou-se.
Hoje, o espiritismo apreendido e praticado como religião é claramente hegemônico em todo o mundo.
E as insistências de que ele é ciência só são toleradas quando partem de ingênuos; pois, quando partem de intelectuais, são ridicularizadas pelos cientistas uma vez que se lhes assemelha a um esforço equivalente à tentativa de se ressuscitar um fóssil.
Ora... ora...
Não interpretaram o que leram de Kardec, e não leram nada sobre o espiritismo na Europa depois dele.
A verdade que ressalta de uma observação inteligente é que Kardec foi ambíguo.
Em sua convicção de que o Espiritismo aliaria religião e ciência, ele acabou justificando o surgimento dos dois segmentos: o espiritismo científico e o espiritismo religioso.
Basta ler sua obra toda, apreendendo o conjunto do seu pensamento. Não apenas selecionando o que interessa para a defesa de sua tese: seja tese acadêmica, ou seja tese nas lutas internas do movimento espírita. Leia-se tanto suas afirmações reiteradas de que o espiritismo é ciência, quanto suas concessões no Evangelho Segundo o Espiritismo; mas, principalmente, seu discurso publicado na Revue em dezembro de 1868.
E leia-se, também, na elaboração das teses, o que se produziu na Europa após Kardec e até o encerramento da fase européia do espiritismo. (O espiritismo morreu na Europa em 1934, após o último congresso em Barcelona e pouco antes da ancien europe diluir-se na luta contra o fascismo; apesar de que só foi sepultado na década de 70, quando André Dumas, herdeiro de todos os produtos kardecistas, mudou o nome da Revue Spirite para Renaitre 2000). Leia-se livros, pesquisas, teses e anais de congressos; hoje isto tudo está disponível na internet, quer seja para telechargement, quer seja em ofertas em sebos.
Essa leitura permitiria ao acadêmico conhecer os discursos piegas e as alusões a Roustaing nos Congressos; conhecer as tentativas de equacionamento da questão com a sugestão da religião laica; conhecer um Jean Meyer, mecenas e herdeiro da Revue, que manteve o movimento espírita na França por várias décadas, dando-lhe um direcionamento assistencialista e religioso. Conhecer, finalmente, a opinião do Conan Doyle em 1928 sobre o futuro religioso do espiritismo.
A morte do espiritismo científico e a sobrevivência do espiritismo religioso deveu-se, simplesmente, a uma lei de seleção natural (no caso, na epistemologia, porém equivalente àquela da biologia: é só fazer as necessárias analogias - assim, se não for verdade, ao menos rima, ou seja, se non è vero è piu trovato).
E qual foi a mudança no ambiente (ambiente intelectual, claro) que provocou o desaparecimento do espíritismo científico?
Emergiram, no oceano do conhecimento humano, as pesquisas do inconsciente, trazendo para o meio científico explicações muito mais convincentes para os fenômenos mediúnicos, do que as explicações espíritas. Ante a aceitação de uma nova teoria e prática albergada sob o nome de psicologia -- palavra até então utilizada para a designação de uma disciplina filosófica, e que passa a designar uma ciência --, o espiritismo foi perdendo todas as esperanças de ser aceito como ciência. Consequentemente, sua vertente científica extinguiu-se. Já a vertente religiosa, conseguindo não só aparar como revidar os golpes dados na área do conhecimento em que transitava (a religião), sobreviveu e multiplicou-se.
Hoje, o espiritismo apreendido e praticado como religião é claramente hegemônico em todo o mundo.
E as insistências de que ele é ciência só são toleradas quando partem de ingênuos; pois, quando partem de intelectuais, são ridicularizadas pelos cientistas uma vez que se lhes assemelha a um esforço equivalente à tentativa de se ressuscitar um fóssil.
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