quarta-feira, 1 de julho de 2009

CIÊNCIA OU RELIGIÃO?

Os trabalhos acadêmicos que pretendem responder a essa questão sobre a identidade do Espiritismo, ao menos os produzidos no Brasil, são de um reducionismo lamentável: o espiritismo era científico na França e tornou-se religioso no Brasil. Pronto; é isso aí; dêem-me a nota do mestrado!
Ora... ora...
Não interpretaram o que leram de Kardec, e não leram nada sobre o espiritismo na Europa depois dele.
A verdade que ressalta de uma observação inteligente é que Kardec foi ambíguo.
Em sua convicção de que o Espiritismo aliaria religião e ciência, ele acabou justificando o surgimento dos dois segmentos: o espiritismo científico e o espiritismo religioso.
Basta ler sua obra toda, apreendendo o conjunto do seu pensamento. Não apenas selecionando o que interessa para a defesa de sua tese: seja tese acadêmica, ou seja tese nas lutas internas do movimento espírita. Leia-se tanto suas afirmações reiteradas de que o espiritismo é ciência, quanto suas concessões no Evangelho Segundo o Espiritismo; mas, principalmente, seu discurso publicado na Revue em dezembro de 1868.
E leia-se, também, na elaboração das teses, o que se produziu na Europa após Kardec e até o encerramento da fase européia do espiritismo. (O espiritismo morreu na Europa em 1934, após o último congresso em Barcelona e pouco antes da ancien europe diluir-se na luta contra o fascismo; apesar de que só foi sepultado na década de 70, quando André Dumas, herdeiro de todos os produtos kardecistas, mudou o nome da Revue Spirite para Renaitre 2000). Leia-se livros, pesquisas, teses e anais de congressos; hoje isto tudo está disponível na internet, quer seja para telechargement, quer seja em ofertas em sebos.
Essa leitura permitiria ao acadêmico conhecer os discursos piegas e as alusões a Roustaing nos Congressos; conhecer as tentativas de equacionamento da questão com a sugestão da religião laica; conhecer um Jean Meyer, mecenas e herdeiro da Revue, que manteve o movimento espírita na França por várias décadas, dando-lhe um direcionamento assistencialista e religioso. Conhecer, finalmente, a opinião do Conan Doyle em 1928 sobre o futuro religioso do espiritismo.
A morte do espiritismo científico e a sobrevivência do espiritismo religioso deveu-se, simplesmente, a uma lei de seleção natural (no caso, na epistemologia, porém equivalente àquela da biologia: é só fazer as necessárias analogias - assim, se não for verdade, ao menos rima, ou seja, se non è vero è piu trovato).
E qual foi a mudança no ambiente (ambiente intelectual, claro) que provocou o desaparecimento do espíritismo científico?
Emergiram, no oceano do conhecimento humano, as pesquisas do inconsciente, trazendo para o meio científico explicações muito mais convincentes para os fenômenos mediúnicos, do que as explicações espíritas. Ante a aceitação de uma nova teoria e prática albergada sob o nome de psicologia -- palavra até então utilizada para a designação de uma disciplina filosófica, e que passa a designar uma ciência --, o espiritismo foi perdendo todas as esperanças de ser aceito como ciência. Consequentemente, sua vertente científica extinguiu-se. Já a vertente religiosa, conseguindo não só aparar como revidar os golpes dados na área do conhecimento em que transitava (a religião), sobreviveu e multiplicou-se.
Hoje, o espiritismo apreendido e praticado como religião é claramente hegemônico em todo o mundo.
E as insistências de que ele é ciência só são toleradas quando partem de ingênuos; pois, quando partem de intelectuais, são ridicularizadas pelos cientistas uma vez que se lhes assemelha a um esforço equivalente à tentativa de se ressuscitar um fóssil.

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