quinta-feira, 31 de maio de 2012

LINHA DO TEMPO ESCLARECE EDIÇÕES DA "GÊNESE"

(Texto revisado da postagem de 14.7.2010, com o título "A Gênese, os Milagres e as Predições, e as espiritices brasilianas II).
("Revista, corrigida e aumentada").


Ante a polêmica a respeito das alterações feitas na Gênese de Kardec (as autorizadas, do autor, e as desautorizadas, dos que querem "atualizá-lo"; vejam postagem de 11.7.2010)), tentei elaborar uma LINHA DO TEMPO, que aqui disponibilizo para que completem, corrijam, critiquem ou desprezem...

06.01.1868 - Lançamento do livro A Gênese, os Milagres e as Predições Segundo o Espiritismo, de Allan Kardec, pela Librairie Internationale - A. Lacroix, Verboeckhoven et Co. Editeurs. Segundo Desliens - secretário de Kardec, médium da Sociedade Espírita de Paris e, posteriormente, membro da Comissão Central que sucedeu o fundador -, o contrato inicial previa uma tiragem com três edições; as fôrmas de impressão seriam de propriedade de Kardec. (Revista Espírita, jan/1868; mar/1885). OBS.: A Rouge Frères, Dunon et Fresné, citada por alguns articulista como "editores" é, na verdade, a tipografia onde foram impressas as quatro edições de 1868, da Librairie Internationale, bem como, a quinta edição de 1872, já então da Librairie Spirite.

xx.02.1868 - Kardec determina uma tiragem em brochura à parte do capítulo Caracteres da Revelação Espírita. (Revista Espírita, fev/1868).

xx.02.1868 - Kardec inicia a tiragem da segunda edição. (Revista Espírita, fev/1868).

22.02.1868 - Os espíritos apoiam Kardec na intenção de promover alterações na Gênese e o alertam para que conte com o esgotamento rápido dos volumes. (Obras Póstumas, publicação de fac-símile do próprio manuscrito de Karddec no suplemento de final de ano da Revue Spirite de 2018 e, Adair Ribeiro no Facebook).

04.07.1868 - Os guias de Kardec o incitam a apressar o trabalho de remodelação da Gênese: "Acréscimos em diversos pontos (...) e condensação aqui e ali para não tornar mais extenso o volume". E, ante a possibilidade do esgotamento das edições no mercado, dizem: "Não perca tempo: é preferível que os volumes esperem pelo público, do que este por eles". (Obras Póstumas)

xx.07.1868 - Artigo na Revue sobre a "Geração Espontânea e a Gênese".

xx.09.1868 - Correspondência na Revue sobre o capítulo "Aumento e diminuição do volume da Terra" e publicaçao do texto "A alma da Terra", que Kardec incluiria na revisão da obra, e sairia apenas na 5a. edição.

25.09.1868 - Rascunho de carta escrito de próprio punho por Kardec, encontrado no acervo de Canuto de Abreu, dirigida a um intermediário nas traduções para o alemão, onde ele diz claramente que revisou a Gênese e a obra se encontra em fase de impressão.
(https://espirito.org.br/material/nem-ceu-nem-inferno-carta-para-intermediario-da-traducao-de-ag-para-o-alemao/)

xx.10.1868 - Última alusão na Revue à Librairie Internationale, por ocasião do lançamento da brochura contendo a correspondência de Lavater.

xx.xx.1868 - Antes que o ano termine a Librairie Internationale, de A.Lacroix, Verboeckhoven et Co.Editeurs, teria ido à falência! (Revista Espírita, mar/1885).

xx.02.1869 - O tipógrafo Rouge Frères solicita, junto ao órgão competente, em nome de Kardec, autorização para a impressão de 2.000 exemplares da Gênese.

31.03.1869 - Kardec planeja entregar os encargos do movimento espírita a uma Comissão Central e dedicar-se apenas a atividades intelectuais em sua residência na Avenue et Villa Ségur, 39, atrás dos Inválidos. Cria a Librairie Spirite, que passará a publicar e distribuir a Revue e suas demais obras, na rue de Lille, 7. O Sr. Bittard, antigo funcionário da  Librairie Internationale é indicado para ser o gerente. A Sociedade Espírita de Paris também se transfere provisoriamente para o mesmo endereço. Tudo isso é planejado por Kardec para ter início em 01.04.1869.
Em meio à mudança de coisas para sua casa na Avenue et Villa Ségur e coisas para a rue de Lille, no já quase deserto escritório da Passage Saint'Anne, em 31 de março, Kardec morre! A Sra. Allan Kardec, única proprietária legal de suas obras e da Revue, após uma tentativa frustrada de convencer Camille Flammarion a sucedê-lo, decide:

"Primeiro: Doar anualmente à Caixa Geral do Espiritismo o excedente dos lucros provenientes da venda dos livros espíritas e das assinaturas da Revue, isto é, das operações da Livraria Espírita; mas com a condição expressa de que ninguém, a título de membro da Comissão Central ou outro, tenha o direito de imiscuir-se neste negócio industrial, e que os recebimentos, sejam quais forem, sejam recolhidos sem observação, desde que ela pretende tudo gerir pessoalmente, determinar a reimpressão das obras, as publicações novas, regular a seu critério os emolumentos de seus empregados, o aluguel, as despesas futuras, numa palavra, todos os gastos gerais;
Segundo: A Revue está aberta à publicação dos artigos que a Comissão Central julgar úteis à causa do Espiritismo, mas com a condição expressa de serem previamente sancionados pela proprietária e a Comissão de Redação, o mesmo se dando com todas as publicações, sejam quais forem;
Terceiro: A Caixa Geral do Espiritismo é confiada a um tesoureiro, encarregado da gerência dos fundos, sob a supervisão da Comissão Diretora. Até que seja o caso de usá-los, esses fundos serão empregados na aquisição de propriedades imobiliárias para enfrentar todas as eventualidades. Anualmente o tesoureiro fará uma detalhada prestação de contas da situação da Caixa, que será publicada na Revue."
.
Por incrível que pareça, ela "foi objeto de felicitações unânimes".
(Revista Espírita, 1868/1869; Obras Póstumas).

01.06.1869 - A quarta edição de "O Céu e Inferno" e a edição atualizada de "Caracteres da Revelação Espírita", COM O MESMO TEXTO DA EDIÇÃO REVISADA DA GÊNESE, estão à venda na Livraria Espírita, tudo publicado por Amélie Boudet. (https://www.facebook.com/HistoriaDoEspiritismo/photos/a.289399475157175/1176215856475528)

xx.08.1869 - A Revista Espírita de Agosto de 1869 noticia que a Madame Allan Kardec, no desejo de continuar a obra moralizadora à qual ela e seu esposo têm dedicado os últimos anos, resolve assumir a tarefa da continuidade do trabalho, incluindo a publicação das obras fundamentais e póstumas de Kardec, pelo tempo que lhe resta de vida, promovendo os planos deixados por ele, pois ela, mais que qualquer outro, possui os elementos indispensáveis para determinar solidamente as bases constitutivas.  Assim, após superar as numerosas formalidades decorrentes da sucessão e estudando cuidadosamente o espírito de tais planos, resolve, com o concurso de outros seis espíritas, constituir a Sociedade Anônima de Ações de Interesse e Capital Variável da Caixa Central do Espiritismo, conforme o preconizara Kardec na Revista Espírita de dezembro de 1868. Segundo Berthe Froppo, em seu opúsculo "Muita Luz", "a Sociedade anônima fundada pela Sra. Allan Kardec tem por objetivo tornar conhecido o espiritismo por todos os meios autorizados pelas leis.   Ela tem por base a continuação da Revista Espírita fundada por Allan Kardec, a publicação das obras deste, incluindo suas obras póstumas e todas as obras que tratam do espiritismo".(Revista Espírita, agosto, 1869; Berthe Froppo em "Muita Luz")).

xx.07.1870 - Descliens anuncia na Revista Espírita que a Livraria Espírita recebeu em depósito um certo número de exemplares dos Quatro Evangelhos, do Roustaing, obra provavelmente esgotada, e os coloca à disposição dos assinantes interessados, mediante o pagamento de "10 fr.50", à ordem de M. Bittard.


19.07.1870 - Desaba o teto! Estoura a Guerra Franco-Prussiana que dura até maio de 1871, destruindo o Segundo Império, precipitando a França num caos social e político, suscitando a Terceira República, terminando na Comuna de Paris, primeiro governo operário da história cujas lutas praticamente incendiaram a cidade.  Os alemães vencedores só deixariam definitivamente a França em 1873 após o pagamento de pesadas "dívidas de guerra".  O período de ocupação alemã foi bastante sofrível para os franceses, em todas as áreas, mas particularmente no campo editorial, tanto devido à censura, quanto devido ao altíssimo custo provocado pelos pesados impostos destinados às reparações de guerra.

01.06.1871 - Segundo informação de Desliens, esta é a data limite em que a Sociedade, a Revista e as impressões das obras de Kardec estiveram diretamente a cargo de Bittard, Tailleur e Desliens(Revista Espírita, 1885).  Presume-se que só a partir desta data Leymarie tenha assumido efetivamente tal mister. Algumas informações dão conta que Leymarie teria assumido o movimento espírita ainda em 1870.  Porém, esta informação do Desliens é bastante plausível  se considerarmos que Leymarie, em seu ativismo político, era partidário da república de Thiers, o que tornava Paris um local perigoso a ele durante toda a guerra e, principalmente, durante a Comuna que só terminou em 28.05.1871.    

xx.12.1872 - Lançamento da segunda impressão da QUINTA EDIÇÃO da Gênese, agora pela Librairie Spirite (conforme se pode verificar por noticie bibliographique da Bibliothèque Nationale de France). A BNF mantém esta edição em seu acervo com a identificação: FRBNF30010935.
A quarta edição tinha sido, ainda, publicada pela Librairie Internationale.
Aliás, hoje em dia, pela internet, pode-se encontrar o original de todas essas edições (1a2a3a4a5a) em várias bibliotecas francesas, assim como disponibilizadas em sites brasileiros.
Considerando que não há nenhuma correspondência de Amelie Boudet ou ata que modifique suas disposições contantes na Ata de 01.04.1869 (confirmadas na Revue de agosto do mesmo ano) de "tudo gerir pessoalmente e determinar a reimpressão das obras e publicações novas" podemos supor que a publicação desta quinta edição contou com sua participação.  A Convenção de Berna, em seu artigo 6-bis, onde estabelece o direito do autor à paternidade e integridade de sua obra mesmo após sua morte, diz que tais direitos serão exercidos pelas pessoas ou instituições às quais a legislação nacional do país em que a proteção é reclamada dá legitimidade.  No caso da França, são seus testamenteiros, quando houver e, quando não houver,  seus herdeiros legais.  Portanto estavam, a Amelie, tanto quanto a Comissão Central, perfeitamente legitimados para publicarem quaisquer textos ou revisões que Kardec tenha deixado no baú.

xx.xx.1873 - Neste ano Leymarie se encontra pela primeira vez com Helena Blavatsky.  Podemos presumir, portanto, que sua aparente adesão (ou, ao menos, simpatia) à Teosofia deu-se após este ano e, não antes da publicação da Gênese revisada.

xx.xx.1875 - Neste ano ocorreu o famoso "Processo dos Espíritas", fartamente contado e documentado em vários livros e artigos, que levou Leymarie à prisão e submeteu Amelie Boudet a terríveis humilhações, o que tem sido atribuído por alguns articulistas espíritas como causa de uma certa senilidade precoce que teria permitido ao Leymarie apropriar-se do espólio de Kardec.

xx.xx.1876 - Publicação do "Catalogue Général de la Librairie Française" de Otto Lorenz, Tomo I, 1866-1875, que registra a publicação da 5a. edição da Gênese em 1873.

xx.xx.1883 - Segundo Desliens, fundição dos clichês da Gênese. (Revista Espírita, 1885).

xx.12.1884 - Henri Sausse, espírita, polemista, biógrafo de Kardec e iniciador da utilização midiática da expressão "espiritismo kardecista", após comparar o texto das edições da Librairie Internationale com o texto da edição da Libraire Spirite, acusa Leymarie de ter feito alterações na Gênese, gerando ruidosa celeuma no meio espírita. (Sites brasileiros, encontrados pelo Google; jornal Le Spiritisme, de Gabriel Delanne, dezembro 1884; O Legado de Kardec, de Pivato).

15.03.1885 - Desliens, que estava afastado do movimento espírita desde 1871, escreve uma carta à Sociedade com a intenção de defender Leymarie.  Analisada historicamente, esta carta consegue mais confundir do que explicar, tendo em vista suas contradições.
Segundo ele, Kardec contratou com a Librairie Internationale as três primeiras edições, e, ainda em 1868, autorizou a 4a, 5a. e 6a. E que as matrizes destas três últimas serviram para as edições de 1869 a 187l (período em que ele esteve à frente do negócio) "e em diante". E sugere que Kardec tenha feito as alterações objeto da celeuma nestas placas, uma vez que eram fôrmas de letras soltas. Diz ainda que a última edição de 1868 era idêntica à primeira. (Revista Espírita, 1885).  Esta última afirmação de Desliens pode, hoje, ser comprovada por qualquer pessoa que se disponha a cotejar as edições de 1868. Porém, nunca foram encontradas as tais "5a. e 6a," edições que teriam sido feitas sob sua gerência. Aliás, não se encontrou nenhuma edição feita entre 1869 e 1871.
Quanto à possibilidade de Kardec ter feito as alterações nas próprias placas "de letras soltas" pode ser descartada pois a comparação tipografica das quatro primeiras edições com a edição de 1872 (mesmo se feita precariamente pelas imagens) indica que  foram feitas a partir de matrizes diferentes.


xx.xx.1911 - Guillon Ribeiro torna-se espírita, vindo a ocupar a presidência da FEB e a produzir inúmeras traduções, incluindo a Gênese de Kardec, que ele diz ter traduzido a partir do original da QUINTA EDIÇÃO. (Sites brasileiros, encontrados via Google).
É evidente que a tradução de Guillon Ribeiro foi feita após 1911; portanto, no mínimo, 27 anos após as denúncias de Henri Sausse, 38 anos após a publicação da edição que lhe serviu de base, e 41 anos após as alterações objeto das denúncias.

xx.xx.1914: Sausse usa AG5 em artigo na Revista Espírita, 30 anos depois da denúncia. (Revista Espírita)

xx.xx.1925: Sausse se redime no Congresso Espírita dizendo que A Gênese revisada traduz o último pensamento do mestre. (Revista Espírita)

Século XXI - Carlos Brito Imbassahy, espírita brasileiro, refaz, cento e tantos anos depois, o caminho de Henri Sausse: compara o texto da terceira edição francesa da Gênese, de 1868 (da qual afirma possuir um exemplar), com a atual edição brasileira da FEB; constata as diferenças e acusa, inexplicavelmente, o tradutor brasileiro, Guillon Ribeiro, de ter feito as alterações. (Sites e blogs brasileiros, encontrados via Google).

xx.xx.2007 - A empresa Léon Denis Gráfica e Editora, do Rio, publica uma tradução da Gênese, de Albertina Escudeiro Sêco, afirmando ser baseada na QUARTA EDIÇÂO, de 1868, ainda da Librairie Internationale, da qual exibe fac-simile apenas da folha de rosto. Ousadamente, perpetra uma série de alterações no texto de Kardec, a pretexto de "atualizá-lo". (A Gênese, Léon Denis Gráfica e Editora).

xx.xx.2010 - Este blogueiro, em pareceria com o historiador Felipe Gonçalves, trava debate com Imbassahy no grupo "Espiritismo - Estudos Avançados", do Facebook, e empreende intensa pesquisa, que resultou na primeira publicação desta postagem.

xx.xx.2012 - Este blogueiro faz um cotejo completo entre as duas versões da Gênese, em francês e portuguÊs, e o disponibiliza na internet sob o título "A GÊNESE - ATÉ QUE PONTO - DE KARDEC".

xx.xx.2018 - Publicação do livro "O Legado de Kardec", de Simoni Privato Goidanisch, seguido de uma intensa campanha em vídeos, teasers e seminários, com a participação de escritores e palestrantes espíritas, visando convencer o público que  Leymarie alterou a Gênese de Kardec na quinta edição francesa da obra.  O movimento culminou com a edição em livro da tradução  de Carlos B. Imbassahy, com inúmeras alterações em relação à versão antes disponibilizada na internet além de adulterações em relação ao original francês.

26.02.2020 - O pesquisador brasileiro Carlos Seth Bastos localiza um exemplar da 5a. Edição da Genese, "revue, corrigée et augmentée", na Biblioteca da Universidade de Neuchâtel, Suiça, datada de 1869, em sintonia, portanto, com a Declaração de Impressão de fevereiro de 1869.  Esta descoberta coloca a última pá de cal sobre o esquife da teoria conspiratória iniciada com a publicação do livro "O Legado de Kardec".


Assim, temos atualmente duas versões da Gênese disponíveis no mercado editorial brasileiro. Uma, baseada na versão francesa fixada desde a quinta edição, publicada inicialmente em 1869 e com reimpressão em 1872 (quando então os impressores concluíram os trâmites burocráticos franceses com o depósito legal na BNF),  traduzida por Guillon Ribeiro,  Julio Abreu Filho,  Salvador Gentille, e outros. Outra, baseada na versão primitiva de 1868, traduzida e alterada por Albertina Escudeiro Sêco.  Além dessas, existe a tradução de Carlos Brito Imbassahy, baseada, segundo ele, na terceira edição, de 1868, e disponibilizada gratuitamente na internet (a partir de 2018 também em livro, conforme citado acima).


Bem, aí está o resultado de uma pesquisa histórica orientada por princípios científicos. Qualquer pessoa poderá comprovar ou refutar minhas afirmações acessando todo o material correspondente, hoje disponibilizado em bibliotecas e sites, conforme detalhei ao longo do texto.
Evidentemente, tal pesquisa contraria toda a mitologia estabelecida nas redes sociais sobre o assunto. Mas, isto é porque toda essa boataria foi motivada mais por disposições ideológicas do que pela pesquisa e análise racional dos fatos.
A 5a. edição, definitiva, está, em alguns pontos, muito melhor redigida que as anteriores. Algumas revisões foram, sem dúvida, para melhor. Outras podem ser acusadas de não estarem à altura de Kardec. Os trechos suprimidos no Capítulo XV não enfraquecem em nada a posição anti-roustainguista deixada clara por Kardec no item anterior. Tanto é que Guillon e a FEB obrigaram-se a notas de pé de página defendendo suas posições. Neste ponto, a revisão de Kardec atende ao princípio de que "não há nada menos convincente do que insistir ou exagerar um bom argumento".

sexta-feira, 25 de maio de 2012

AS SEITAS

Não é fácil definirmos uma seita.
Respeitáveis religiões constituídas, associadas a governos ou a impérios universitários, foram, em sua origem, seitas.
No final do milênio, quando algumas dessas coisas assustaram o mundo com pactos suicidas e loucuras do gênero, houve uma mobilização da ONU e de governos, preocupados em protegerem a sociedade e o indivíduo. Esbarraram nessas dificuldades.
Afinal, como o constataram os deputados franceses que, em 1995, se debruçaram sobre o assunto, não é fácil distinguir, seja pelos estudiosos ou pelos próprios adeptos:

- a livre associação - do grupo coercitivo;
- a convicção - da certeza essencial;
- o engajamento - do fanatismo;
- o prestígio do líder - do culto ao guru;
- as decisões voluntárias - das escolhas completamente induzidas;
- a integração leal a um grupo - da fidelidade incondicional;
- a hábil persuasão - da manipulação programada;
- o discurso motivador - da lavagem cerebral;
- o espírito de equipe - da fusão do grupo.


Se nos socorrermos na filosofia, vamos encontrar em Lalande uma definição sintética de "secte", semelhante ao conceito hoje generalizado: um grupo de pessoas que aderem estritamente a uma doutrina bem definida, e cuja adesão provoca uma forte união entre elas, ao mesmo tempo que as separa dos outros espíritos.

Os espíritas tendem a definir com inusitado rigor o rol de suas crenças. Fixam-se em posições cientificas, laicas, religiosas, agnósticas, teístas, deístas, cristãs, ecléticas, ortodoxas; e uma série de outras derivadas das inúmeras combinações possíveis entre estas.
Infensos ao diálogo, nas redes sociais temos visto a tendência em se reunirem por tais afinidades, segregando os que apresentam qualquer mínimo desvio da matriz eleita pelo grupo.
Estaremos nos dividindo, nas redes sociais, literalmente falando, em seitas?

Seria bom que verificássemos se não podemos identificar os critérios de Lalande ou as dificuldades dos deputados franceses nos diversos grupos que integramos.