segunda-feira, 10 de maio de 2021

DE MÍSTICOS E CIENTÍFICOS

   Bem, mergulhados em um oceano linguístico onde se "calçam as botas" e se "botam as calças", a coisa não poderia ser diferente quando se trata da história do espiritismo brasileiro.  Ao abordarem  sua origem, dentro ou fora da "academia", costumam recordar o embate entre duas correntes em sua formação: os "místicos" contra os "científicos"; e dizem que os primeiros venceram, por isso nosso movimento espírita é o que é.  Talvez o seja.  Senão, vejamos.
   O maçom e teosofista (portanto, um místico) Angelo Torterolli é historiado como o líder dos "científicos".  Enquanto que o médico Adolpho Bezerra de Menezes, autor do primeiro livro científico produzido pelo espiritismo brasileiro, "A Loucura Sob Novo Prisma", e um dos poucos que existem, é, pasmem, tido como o líder dos "místicos". 
   Talvez isto explique porque aqueles que são atualmente rotulados de "místicos" sejam os que mais produzem pesquisas sobre mediunidade (às vezes até em consórcio com "a academia" ou associações médicas), assim como cursos de educação mediúnica e assemelhados, enquanto que os que se intitulam "científicos" vivem de retórica, exegeses, sendo, amiúde, presas fáceis de falácias.
   Eu proporia --  se não fosse contribuir para a proliferação de classificações e interpretações que alimentam polêmicas estéreis --, o resgate de uma "classificação" dos espíritas já proposta por Kardec no início dessa história toda.  É aquela que consta no item VII da Conclusão do Livro dos Espíritos,  que a seguir reproduzo e, para não fugir à tradição, já devidamente adulterada por mim:
   Num primeiro grau teríamos "os que crêem nas manifestações e se limitam a constatá-las: para eles, é uma ciência de experimentação".  Poderíamos chamá-los de "cientistas"?  Talvez existissem nos tempos de Kardec. Hoje, não os enxergo: nem algures, nem alhures.  A não ser que incluamos aqui os inúmeros espíritas que, nos mais de quatro mil centros espalhados pelo país, praticam diariamente a mediunidade (ou, ao menos praticavam antes da pandemia).
   Em segundo lugar, ou num segundo grau, teríamos "os que compreendem suas consequências morais".  Poderíamos chamá-los de "filósofos"?  Ou, talvez, nesta categoria estejamos todos nós que vivemos discutindo na web o que seria o "verdadeiro espiritismo", sempre o nosso, claro, nunca o dos outros. 
   E, finalmente, num terceiro grau estariam "os que praticam ou se esforçam por praticar essa moral".  Como os chamaríamos? "religiosos", "místicos", "cristãos", "praticantes"?  Enfim, são os que,  alheios ou indiferentes às batalhas políticas que se desenvolvem em busca do poder sobre o minguado número de espiritas, seguem tentando mudar o mundo através das pequenas mudanças comportamentais encetadas em si mesmos.
   E devem existir também os que somam em si todos esses estágios. Se não os vejo certamente é porque são discretos, ou, pior, é porque não sou um deles, ainda apegado que estou à natureza física do mundo e das coisas.

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