O esboço de metodologia de trabalho apresentado nas postagens anteriores é, na verdade, um desafio para os que pretendem um espiritismo científico. Um desafio para que paremos com acusações recíprocas de falta de cientificismo ou excesso de pieguismo e façamos realmente alguma coisa parecida com ciência. Isto é, aos que têm vontade. Porque, na forma como anda a carruagem, todos os espiritismo se equivalem: o kardecista, o roustainguista, o ramatista, e quejandos... todos são questões de crença e de fé. "Mas até o de Kardec?" perguntarão. Sim, ouso responder. Nenhum é científico. Podem até ter tido uma aparência científica em sua época; porém, tanto o conceito de ciência, como sua metodologia envoluíram de lá prá cá, e continuarão a evoluir sempre.
Que me perdoe nosso grande mestre Allan Kardec, mas apesar das valiosas obras de sabedoria religiosa que ele nos legou, as reuniões da sociedade espírita de Paris não resistiriam aos rigores científicos atuais. Vejamos um exemplo de atitude "científica" deles.
Discutiam a mediunidade nos animais; depois de ouvir uma série de opiniões (sim, opiniões!), foram perguntar a um espírito!
"A questão da mediunidade dos animais -- escreve Kardec no LM-236 -- se encontra completamente resolvida (sic) na dissertação seguinte, dada por um Espírito de quem já pudemos apreciar a profundeza e a inteligência em outras citações que já tivemos a oportunidade de fazer".
E segue a comunicação do Espirito Erasto, dada na tal reunião. Depois de fazer uma série de arrazoados pré-darwinianos da superioridade do homem sobre o animal e insinuar uma criação à parte de nossos espíritos, lá pelas tantas, o Espírito sai com esta:
"O senhor T..., conforme disse, magnetizou seu cão; o que aconteceu?
Ele o matou; o infeliz animal morreu após ter caído numa espécie de atonia,de languidez, conseqüência de sua magnetização. De fato, ao inundá-lo
de um fluido tirado de uma essência superior à essência especial de sua
natureza de cão, esse fluido o esmagou e agiu sobre ele, ainda que
lentamente, com a potência de um raio. Portanto, como não há nenhuma
assimilação possível entre nosso perispírito e o envoltório fluídico dos
animais propriamente ditos, nós os esmagaríamos instantaneamente se
os mediunizássemos".
Eu não acredito nessa história de que o sujeito magnetizou o cão e este morreu; esse senhor T. mais parece um "Gardenón" papudo. Em nossos dias, isto equivaleria a matar cachorro a passe! Na certa morreu de outra coisa. Se fosse uma sociedade científica teria feito experiências com protocolos, controles, relatórios, reprodução do fenômeno, etc. E não, simplesmente, perguntado a um espírito para esgotar o assunto.
Mas, o pior de tudo, o que descaracteriza completamente o Espiritismo Kardecista como ciência, é que até hoje, século e meio depois, quando discutem o assunto de mediunidade nos animais entre espíritas vão tirar a dúvida na "Codificação"; nesse texto! Como qualquer crente vai na Biblia. A nenhum espírita ocorre fazer experiências. Verificar controladamente em laboratórios, ou nos centros espíritas, ou mesmo em suas casas, quais seriam as possibilidades, reações ou consequencias de passe nos animais. E os que falam em "atualizar o Espiritismo", pensariam em consultar novos espíritos, de mortos mais recentes, sobre a dúvida.
Ora, imaginem o método de Kardec se estendendo para os diversos ramos da ciência. Querem saber sobre buracos negros? Nada de ler as teorizações e pesquisas do Mourão, logo superadas pelas do Hawking, logo superadas por outro John ou João qualquer. Nada disso. Vamos evocar o Galileu ou o Einstein e perguntar para um deles o que é esse tal de buraco negro e, nas palavras de Kardec, "resolver completamente a questão".
Por isso, repito, a Codificação, os Quatro Evangelhos de Roustaing, os livros do Ramatis, do André Luiz, do Armond, todos se equivalem: transitam em crenças; baseiam-se no princípio da autoridade, não da experimentação. Cada um é livre de acreditar em qualquer deles ou em todos. Arvorar-se em "purista doutrinário" para atacar qualquer um deles é atitude religiosa, talibânica até.
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