No final dos anos 60 e começo dos 70, os ares no movimento espírita eram outros. Ainda não tínhamos visto o "despertar dos magos" que já coloria a Europa e os EUA, e nossas manifestações culturais populares, de matrizes indígenas ou africanas, eram vistas com preconceitos. O espiritismo era, então, a mais procurada oferta em termos de espiritualidade. Eclodiam manifestações mediúnicas fantásticas, surrealistas, curadoras ou de efeitos físicos; os centros organizavam-se em torno de médiuns queridos em suas comunidades porém, duvidosos quanto à autenticidade do fenômeno; todos distanciados da abordagem sistemática da teoria, da doutrina ou do conhecimento. Para complicar as coisas, a FEB -- que por força do Pacto Áureo e de uma tendência centralizadora e autoritária que tomava conta da sociedade brasileira da época coordenava o movimento espírita com forte influência sobre o comportamento das federadas --, tinha, como seus dirigentes, pessoas refratárias a qualquer sistematização do ensino ou do aprendizado espírita; pessoas que combatiam mesmo iniciativas como cursos e escolas, fossem de doutrina espírita, ou de educação e orientação da mediunidade. Diziam temer a academização e a perda da singeleza buscada nas primícias do cristianismo
Em consequencia dessa situação, restava aos espíritas o aprendizado pelo esforço individual; pois nos centros raramente se ofereciam programas sistematizados; na imensa maioria deles os estudos era feitos aleatoriamente, com leituras de textos, conversas, etc.
Para o aprendizado teórico da doutrina espírita as consequencias não eram tão danosas, pois o estudo individual supria as deficiências de sistematização. Mas, para a prática mediúnica os efeitos eram realmente danosos. Os interessados no desenvolvimento mediúnico, os que viam-se às voltas com a emersão dos fenômenos, e até os obsedados, todos eram geralmente lançados em sessões de quase duas horas de duração, para que desenvolvessem a mediunidade na prática, na observação dos mais antigos. Se o candidato tivesse a sorte de integrar um bom grupo, com bons médiuns, feliz dele: pela imitação chegaria a um bom resultado. Mas, caso contrário, ele fatalmente assimilaria os condicionamentos, a falta de critério na identificação dos espíritos, as megalomanias, enfim, todas as viciações que costumam assediar a prática mediúnica. Some-se a isso uma crença errônea que ameaçava se generalizar, de que os médiuns eram seres privilegiados por conviverem com os espíritos, estando, portanto, dispensados das necessidades de estudo imposta aos demais mortais.
Neste cenário, um grupo de espíritas paranaenses resolveu seguir as sugestões de Kardec de que se fizessem cursos de espiritismo, enfim, que se sistematizasse o ensino. Como integravam órgãos federados, evitaram choques usando sempre denominações alternativas: cursos doutrinários eram "programas"; cursos de educação mediúnica eram "centros de educação mediúnica"; aulas eram "sessões".
Criaram, então, o Centro de Orientação e Educação Mediúnica - COEM, um programa composto de 30 sessões teóricas e 30 sessões práticas, intercaladas. As sessões teóricas contêm todo o conhecimento reunido sobre mediunidade nas diversas obras publicadas; as sessões práticas, como o próprio nome evoca, reúnem conhecimentos sobre as atividades práticas como concentração, passe, irradiação, sensações, psicografia, psicofonia, etc. Mas, a grande sacada foi o desenvolvimento gradativo nas sessões práticas. Estas sessões se iniciavam com uma rápida preleção sobre o assunto do dia, seguindo-se o exercício, que apresentava complexidade e duração crescentes. Nas primeiras práticas as pessoas se concentravam durante cinco minutos, depois passavam para dez, quinze, e assim sucessivamente,até um ponto em que se iam introduzindo as práticas citadas, chegando-se, ao final do curso, com sessões mediúnica completas, com vários minutos de duração. Ao final de cada sessão prática os participantes contavam suas sensações, percepções e, nos estágios mais avançados, liam suas produções mediúnicas. Este simples esforço de verbalização da experiência permitia a conscientização sobre suas reais potencialidades. A crítica, ostensiva, velada ou sugerida pelos companheiros, permitia a auto-crítica e a separação do joio do bom trigo. Por isso que uma prática corriqueira em todos os centros que aplicaram o COEM era a suspensão de todos os trabalhos práticos da casa, para que todos os médiuns participassem do programa. Após o término do programa, que durava no máximo dois anos, reorganizava-se os trabalhos da casa, agora embasados na consciência e conhecimentos adquiridos.
Na década de 70 esse programa teve uma aceitação muita grande. Centenas de centros, no Brasil e no exterior, o desenvolveram, coordenados pelo núcleo gerador sediado no Centro Espírita Luz Eterna, em Curitiba. A disseminação do programa foi tanta que um jornalista espírita chegou a separar o movimento espírita em "antes" e "depois" do COEM. E esta sigla tornou-se sinônimo de programas de desenvolvimento mediúnico, mesmo que redigidos por outras equipes que nem conhecem sua história, e aplicado das mais diversas maneiras, à revelia de seus criadores.
Ainda na década de 70 o programa passou por turbulências provocadas pela política interna do movimento espírita. Um dos expoentes da equipe chocou-se com um dos expoentes do movimento espírita, a coisa cindiu-se, quem antes divulgava o programa passou a combatê-lo. As novas gerações foram se formando dentro dessas facções, aceitando ou rejeitando o programa. Os que passaram a combatê-lo alegavam que o programa inibia os médiuns; não formava novos médiuns. Na verdade, o programa se contrapunha a uma prática que os deformava. O fato é que os Centros que o aplicaram naquela época, e as dezenas que até hoje o aplicam, vacinaram-se contra as aberrações, viciações e megalomanias surgidas da prática mediúnica desorientada.
Eu não participei da elaboração do COEM. Era muito jovem, tinha lá meus dezenove anos quando o elaboraram. Foram os "mais velhos", já na faixa dos trinta. Mas, eu participei do primeiro experimento; e da sua divulgação. Além disso, coordenei, mais recentemente,uma aferição que resultou na elaboração de uma nova versão, o COEM II. Hoje, o Centro Espírita Luz Eterna disponibiliza as duas versões do programa. A primeira, o COEM, propriamente dito, se bem que revisto, corrigido e atualizado pela equipe autora, é oferecido de forma impressa, através do site do CELE: www.cele.org.br. E o COEM II - a nova versão -, disponbilizado gratuitamente no site www.carlosparchen.net/coem2.html.
Comentário colhido no facebook:
ResponderExcluir"Maria Salete Silva: Caríssimos, de minha vez, com adaptações e flexibilidade, imprescindíveis ao progresso, mas para essa charada da Mediunidade, penso que dentre as incontáveis experiências, o COEM ainda é uma metodologia de imensa valia! Qdo. aplicado por uma equipe estudiosa, afinada, com censo crítico sem peias de sacralidade, permeada por essa leveza que permite tratar de animismo, de mistificação, de projeções do inconsciente, da fenomenologia mediúnica em si e das incontáveis variantes do psiquismo humano, com a maturidade e a naturalidade que a observação, a pesquisa séria, a modéstia necessária no reconhecimento de nossas limitações humanas, a sensibilidade acurada para não descartar a intuição emergida de mentes alheias ou do arquivo de nossas memórias. Quando esses fatores se juntam, até corroborando, ampliando, suprimindo, atualizando ou alterando o material utilizado como as apostilas e os manuais da monitoria, tem-se ainda um formidável sulco que possibilita filtrar um caudal de absurdos, de incoerências, de condicionamentos, de exibição de alter-egos etc... que nesse momento solapam a coisa da MEDIUNIDADE nas Casas espíritas! O COEM é um limpa trilhos das ocorrências psíquicas na relação daquilo que venha a ser como possibilidade de MEDIUNIDADE!"
O COEM, que empregávamos na então Sociedade Espírita Luz e Caridade - hoje CENTRO CULTURAL ESPÍRITA DE PORTO ALEGRE (CCEPA) - serviu de inspiração para o surgimento, naquela Casa, do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita, lançado como Campanha, em julho/1978, pela Federação Espírita do Rio Grande do Sul, na gestão de Maurice Herbert Jones e sob a minha coordenação. Excelente, esse COEM!
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