quarta-feira, 25 de outubro de 2017

FLAMMARION E O ESPIRITISMO - PRIMEIRO CONTATO (I)


Foto de Camille Flammarion quando conheceu Allan Kardec


No livro "Mémoires biographiques et philosophiques d'un astronome", de Camille Flammarion (1842-1925), lançado em 1911, o autor relata, de forma muitas vezes descontraída, fatos de sua vida, do nascimento até a Guerra Franco-Prussiana, ocorrida em 1870, da qual ele participou como capitão, com a idade de 28 anos. Sua participação na guerra, juntamente com outros astrônomos transformados em tenentes, era calcular a posição dos canhões alemães que bombardeavam Paris, fornecendo as coordenadas para a artilharia francesa. Em postagens anteriores disponibilizamos vários trechos do livro. Em suas exéquias, a 6 de junho de 1925, três dias após sua morte, discursaram diversas celebridades intelectuais, científicas, políticas e sociais de diversas partes do mundo, entre elas o Jean Meyer (1855-1931), então presidente da União Espírita Francesa e do Instituto Internacional de Metapsíquica. O Bulletin da Societé Astronomique de France de julho de 1925 traz o relato dessas exéquias, juntamente com um relato de sua vida e obras cujo autor, Emile Touchet, informa sobre vários textos e livros quase prontos, alguns em fase de provas, entre eles o Tomo II das Memórias e um livro com o título "Les fantômes e les ciences d'observacion", que seriam publicados pela sua viúva, Gabrielle Renaudot Flammarion (1877-1962), com quem se casara em 1919 após a morte da primeira esposa, e que prometera dar continuidade à sua obra. No que se refere à astronomia, à administração do Observatório de Juvisy, da Societé, dos Cursos, ela foi fiel à sua promessa. Porém, certamente desejando preservar apenas seu testamento de homem de ciência e de astronomia ela não se interessou pelas publicações citadas. Em 2005 o "Les fantômes..." foi publicado pela primeira vez em Paris pelo editor Jmg, na coleção "Temoin D'au-Dela". Mas não temos notícia do Tomo II das Memórias.

Adiante, publicamos mais um trecho do "Memoires", precisamente o Capítulo XIII, onde Flammarion fala de Allan Kardec, Victor Hugo, Madame Girardin, Auguste Vacquerie, Eugene Nus, Victorien Sardou...



CAPÍTULO XIII

Este livro agita mais de uma ideia.
Veremos a seguir, dentre os capítulos, a conclusão da que se refere a Allan Kardec.
Naquela época, 1862, o estudo do espiritismo tomava um grande número de minhas horas de laser. Relatei, mais acima, minhas inquietações, minhas angústias, sobre nossos destinos depois da morte. Tendo ouvido falar de experiências que pareciam trazer um elemento novo a esta grave busca, precipitei-me nesta investigação. Em novembro de 1861 encontrei sob as galerias do Odeon uma obra intitulada "O Livro dos Espíritos", de Allan Kardec, na qual a vida futura e os outros mundos são supostamente descritos pelos espíritos que os conhecem. Após folheá-la admirado, comprei-a, li avidamente e, desejando inteirar-me dos fatos expostos entrei logo em contato com o autor, passando a assistir inúmeras sessões da Sociedade Espírita que ele presidia. Ao mesmo tempo, conheci um médium de efeitos físicos, Senhorita Huet, cuja casa era frequentada por homens de alta distinção, como os Senhores de Courtépée, Émile de Bonnechose, Théophile Gautier, Arsene Houssaye, Louis de Noiron, Henry Delaage, d'Escodeca de Boise, diretor da imprensa imperial, Oscar Commettant (incrédulo convicto), Victorien Sardou, convencido há bastante tempo, P.F.Mathieu, escritor e poeta, o editor Didier, etc. Havia também lá um jornalista bastante espiritual, Jules Lecomte, porém muito indiscreto, pois todo mundo sabia que ele havia sucedido momentaneamente a Neipperg nas boas graças da volúvel Marie Louise.
Nessas sessões se podia ver uma mesa de sala de jantar elevar-se inteiramente ou receber pancadas, sem causa aparente, choques sonoros e rítmicos seguindo diferentes árias; pelo mesmo procedimento de pancadas recebia-se ditados sobre diferentes assuntos, que não se podiam explicar pelos atos voluntários das pessoas presentes. Esse novo mundo me intrigava; e eu mesmo redigia os processos verbais das sessões em duas pequenas brochuras. Durante vários anos segui com grande interesse tais experiências.
Tais pesquisas, como o sabem meus leitores, não resolveram até o presente o grande problema; mas elas nos conduzem a admitir a existência de forças desconhecidas e de faculdades da alma ainda inexplicadas.
Sem voltar aos fatos e às teorias publicadas em várias de minhas obras, pode ser aqui o lugar de me referir a algumas experiências da mesma ordem feitas por Victor Hugo em Jersey, sobre as quais jamais pude me estender. Elas completarão o que já escrevi sobre o assunto, interessarão especialmente uma classe particular de leitores e mostrarão que há verdadeiramente um estudo digno de atenção, tanto do ponto de vista psicológico, como do ponto de vista físico.
Eis o resumo, segundo Auguste Vacquerie ("Les Miettes de l'Histoire", Paris, 1863):

"No outono de 1853,Madame de Girardin veio passar dez dias na casa de Victor Hugo, em Jersey.
Seria sua morte próxima que fazia reviver seu interesse na vida extra-terrestre? Ela estava bastante preocupada com as mesas falantes. Acreditava firmemente e passava suas tardes evocando os mortos. Sua preocupação foi refletida, com sua vinda, no seu trabalho. O assunto de "La joie fait peur" ("A alegria assustadora") não é um morto que retorna?
Ela insistia em que se cresse nela. No dia mesmo de sua chegada, foi difícil fazê-la esperar o fim do jantar. Logo após a sobremesa ela se levanta e provoca um dos convidados no salão; juntos atormentam uma mesa que, não obstante, continua muda. A culpa é da mesa cuja forma quadrada contraria o fluido (???).
No outro dia ela mesma compra, numa loja de jogos infantis, uma pequena mesa redonda, com um só pé que termina em três garras, e a mete sobre a mesa grande. Elaboraram questões e a mesa respondeu. A resposta era breve: uma ou duas palavras, no máximo, hesitantes, indecisas, às vezes ininteligíveis. Seríamos nós que não a compreendíamos? O modo de tradução das respostas se prestava ao erro. Eis como se procedia: se nomeava uma letra do alfabeto - A, B, C, etc. -, a cada golpe do pé da mesa; quando a mesa parava, se marcava a última letra nomeada. Mas, seguidamente a mesa não parava claramente sobre uma letra; confundia-se, anotando a precedente ou a seguinte. A inexperiência se misturando, e Madame de Girardin intervindo o menos possível para que o resultado fosse menos suspeito, tudo se embaralhava.
Eu não passara até então de simples testemunha. Era preciso ser ator a meu turno. Eu estava tão pouco convencido, que tratava o milagre como um burro que "se torna a menina mais comportada da sociedade"; eu disse à mesa: "Adivinha a palavra que penso". Para vigiar a resposta bem de perto, meti-me junto à mesa com Madame de Girardin. A mesa dita uma palavra: é a minha! Minha tenacidade, porém, não fora dobrada. Eu disse a mim mesmo que o acaso poderia soprar a palavra a Madame de Girardin, Madame de Girardin a soprar à mesa. Aconteceu a mim mesmo, num baile da Ópera, de dizer a uma mulher no dominó que a conhecia e, como ela me perguntou seu nome de batismo, de dizer ao acaso um nome qualquer, que acabou sendo o verdadeiro. Sem mesmo invocar o acaso, eu bem podia, na passagem das letras da palavra, ter, sem o querer, pelos olhos ou pelos dedos, por um estremecimento, me denunciado. Recomecei a prova. Mas, para ter certeza de não trair a passagem das letras - seja por uma pressão mecânica, seja por um olhar involuntário -, afastei-me da mesa e perguntei-lhe, não a palavra que eu pensava, mas sua tradução. A mesa dita: "Você quer dizer sofrimento". Eu tinha pensado amor!"

TO BE CONTINUED...

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