sexta-feira, 26 de junho de 2009

AS QUESTÕES CONGRESSUAIS

Nos anais dos congressos internacionais espíritas da fase européia, bem como nas edições da época, pode-se encontrar farto material para se compreender as tendências se formando no seio do movimento, muitas das quais não se resolveram até hoje. É nesse material que buscam subsídios para suas teses os acadêmicos que atualmente se debruçam sobre esse movimento social de difícil definição que é o espiritismo.
Nicole Edelman inicia seu artigo acadêmico (Spiritisme e Politique)com uma pergunta um tanto descabida: "Uma religião ou uma crença pode suscitar uma reflexão ou uma ação política?" Seria de estranhar se assim não fora, ou seja, que as idéias filosóficas ou as crenças religiosas não gerassem estímulos ou justificativas para ações políticas.
Lendo esses textos (anais, teses, etc.) observamos uma certa transformação (ou evolução) nos modos de ação político-social dos espíritas. De uma prática aparentemente voltada para o alheamento, o recolhimento e a atenção ao plano espiritual, Kardec retirou elementos para uma ação concreta no mundo: o auto-aprimoramento, a caridade, a luta pelos direitos civis das mulheres, a luta pelo fim da escravidão, e outros estímulos que encontramos nos seus escritos da Revista Espírita. Os que o sucederam de imediato, ampliaram essa ação. Leymarie, com mais algumas pessoas, criou a Liga de Ensino, que galvanizou toda a França e implantou inúmeras bibliotecas gerando o salutar hábito de leitura identificado até hoje naquela população. Jean Baptiste Godin criou o seu familiansterio, uma das mais concretas contribuições do socialismo utópico. Some-se a isto o engajamento no Caso Dreyfus e a defesa dos judeus, assim como a continuidade daquelas intervenções iniciadas por Kardec. Giovanni Hofman, presidente da União Kardecista da Itália, apresentou no Congresso de 1888 uma tese sugerindo a estimulando a maior atuação dos espíritas nas esferas políticas e sociais.
Entretanto, uma mudanpa foi ocorrendo ao longo do tempo no sentido de maior ênfase à transformação individual, em detrimento, de certa forma, da ação social. Isto talvez se explique porque os herdeiros imediatos de Kardec, formados naquela atmosfera de positivismo e encantamento com o porvir do homem e da humanidade, foram envelhcendo e sendo substituídos por novos ativistas, formados já na atmosfera de desencantamento e ruína de deuses e valores humanistas, característica daquela passagem de século. A hecatombe da grande guerra (1914/18), corroendo o verniz de civilização com que os homens se haviam adornado e mostrando a verdadeira face bárbara da espécie, foi, talvez, o golpe de misericórdia nas esperanças de todas as mentes progressistas e, particularmente dos espíritas, levando líderes como Léon Denis, Jean Meyer e Conan Doyle a se refugiarem na intimidade do contato com os espiritos e numa consequente ação mais voltada para a reforma íntima e a caridade. Esses acontecimentos reforçaram a tendência religiosa do movimento, e, isto influenciou o movimento no Brasil muito mais do que a cultura deste país.
O fato é que o movimento espírita, antes pujante e influente, praticamente desapareceu na Europa, dando lugar a novos titãs -- comunismo, fascismo, capitalismo -- a se digladiarem no palco da história. O Espiritismo, então, hibernou no Brasil, reciclou-se, e retorna à Europa na esteira do fracasso dessas ideologias, tanto as vencidas como a vencedora.

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